Via Estadão
Por Washington Novaes
01.03.2012
É paradoxal e aflitivo: 2.800 cientistas reunidos em Londres assinam, no
simpósio Planet Under Pressure, uma declaração sobre o estado do planeta, na
qual dizem que "o funcionamento do sistema Terra (...) está em risco"; que
poderemos enfrentar ameaças graves na questão da água, dos alimentos e da
biodiversidade, com crises econômicas, ecológicas e sociais. No Brasil, quase
800 municípios do Semiárido enfrentam estado de emergência, com uma seca que
pode ser a mais grave em 40 anos e já deixa prejuízos superiores a R$ 12
bilhões. Também no Extremo Sul do País a seca é gravíssima. No Amazonas, dois
terços dos municípios se veem às voltas com uma inundação inédita, que já afetou
70 mil famílias e inundou até partes de Manaus (após fortes estiagens em 2005 e
2010 e outra forte inundação em 2009).
Embora 65% dos brasileiros ouvidos numa pesquisa CNI/Ibope considerem "muito
graves" os problemas relacionados com o clima, nossas políticas continuam
fazendo de conta que não precisamos perder tempo com o "ambiente" - tanto que no
novo Código Florestal, mesmo após os vetos presidenciais, anistiamos a maior
parte dos desmatadores, permitimos a ocupação de encostas e topos de morros (que
assoreia rios e contribui para inundações), reduzimos áreas preservação à
beira-rio, permitimos a ocupação de partes de mangues. E não tomamos
conhecimento das advertências dos cientistas.
Já desmatamos quase 20% da Amazônia, quase 50% do Cerrado, só restam 7% da
Mata Atlântica, quase nada dos Pampas, o Pantanal já sofre muito. O pretexto é
não "prejudicar a expansão da agropecuária", quando a Embrapa há mais de 20 anos
diz que não é preciso desmatar um só hectare: temos 200 mil hectares já
desmatados e sem ocupação econômica, além de metade das pastagens degradadas.
Mais grave ainda, qualquer que seja a decisão final do Congresso Nacional a
respeito do projeto, tudo tenderá a ficar como nas práticas predatórias de hoje,
já que o Ministério do Meio Ambiente, com menos de 1% do orçamento da União, não
tem estruturas para fiscalizar com rigor e mudar o quadro.
Também não se deve esperar muito na Caatinga. O projeto de transposição de
águas do Rio São Francisco, que o ex-presidente Lula anunciava como redenção
para "12 milhões de pessoas que sofrem com a seca", em 2012 só teve gastos 2,2%
do seu orçamento (Estado, 23/5), está com 4 dos 16 lotes de
obras paralisados, já custa quase o dobro do que fora orçado e a água, quando
chegar, irá em grande parte para grandes projetos agrícolas de exportação, outra
parte para cidades que desperdiçam mais de 40% do que sai das estações de
tratamento.
Para a Amazônia encontra-se em discussão no Congresso projeto para abrir as
terras indígenas à mineração - quando estudos internacionais e nacionais dizem
que essas reservas são o caminho mais eficaz para a conservação da
biodiversidade, uma das riquezas nacionais. E uma medida provisória reduz a área
de várias unidades de conservação para permitir a formação de grandes lagos para
sete hidrelétricas - quando estudo da Unicamp/WWF, já citados várias vezes neste
espaço, considera que não precisamos de novas mega-hidrelétricas, e sim de
conservação e eficiência energética, além de redução de perdas nas linhas de
transmissão.
Mas a falta de juízo não é só por aqui. Há poucos dias, terminou em fracasso
- "discórdia e desapontamento", segundo o jornal The Guardian (25/5) -
mais uma reunião da Convenção do Clima. Com retrocesso até, já que muitos países
(principalmente Índia e China) se mostram relutantes em continuar apoiando a
carta de intenções aprovada no ano passado em Durban, que acena para 2015 com um
compromisso de todos os países para reduzir as emissões de poluentes, mas só
entrando em vigor em 2020. Aprovou-se apenas a prorrogação do Protocolo de
Kyoto, porque este envolve altíssimos recursos financeiros, ao permitir que um
país ou empresa financie em outro país projeto que reduza emissões - e
contabilize a redução no seu balanço próprio. Há um mercado mundial de muitos
bilhões de dólares envolvido.
As discussões foram as de sempre: quem deve pagar pelas reduções, países
ricos ou "em desenvolvimento"? Como farão China, Índia e outros que ainda
precisam dotar de energia as casas de centenas de milhões de pessoas e só
dispõem de combustíveis fósseis? Que se fará agora com o novo caminho de
extração de gás de rochas, chamado de fracking, que dizem poluir menos,
mas implica liberação de metano? A Agência Internacional de Energia não se cansa
de advertir que já nos estamos aproximando do limite de mais 2 graus Celsius no
aquecimento da Terra, mas as emissões de poluentes continuam em nível recorde -
e a partir de 2017 a alta terá efeitos irreversíveis. O tema também nos fala de
perto. Segundo estudo publicado na revista da Fapesp por Fábio Castro, Minas
Gerais poderá perder R$ 450 bilhões até 2050 com problemas climáticos; o País
todo, R$ 3,6 trilhões em 40 anos.
E a três semanas do início oficial da conferência Rio+20, na qual todos esses
temas - mais a pobreza no mundo, redução do desperdício de alimentos (1,3 bilhão
de toneladas anuais), novas formas de calcular crescimento, "economia verde",
"governança sustentável" - em princípio estarão na pauta, surgem os temores de
outro malogro, já que as discussões preliminares continuam patinando. O temor já
foi manifestado pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Brundtland e pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
"O planeta não é sustentável sem controle do consumo e da população", diz a
britânica Royal Society (Folha de S.Paulo, 27/4). Mas da crise
econômica no mundo "ninguém vai escapar sem ser afetado". Poderemos até levar
"de um século a dois para sair da crise", afirma o renomado economista James K.
Galbraith, da Universidade Yale (Estado, 23/5). Seja como for,
é preciso continuar encarando os olhos luminosos dos nossos netos e seguir
lutando.
* JORNALISTA
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR