Via Estadão
Por Washington Novaes
24.08.2012
Parece inacreditável, mas o alarme vem das montadoras de automóveis - as mais
interessadas em vender seus produtos. Texto de Cleide Silva na edição de 13/8
deste jornal informa que o "excesso de automóveis (mais 80 milhões de veículos
no mercado global este ano) já preocupa as montadoras no mundo" e por isso "o
trânsito nas megacidades leva fabricantes a incentivar debate sobre saída para o
caos". Nesta mesma hora, o tema mal chega às campanhas para as eleições
municipais no Brasil. E em São Paulo, embora documentos da Prefeitura mencionem
a possibilidade de instituir a cobrança do pedágio urbano e haja até projeto a
esse respeito na Câmara Municipal (Estado, 1.º/8), não há intenção concreta de
avançar nesse rumo neste final de gestão.
Professor universitário especialista na matéria, trazido por uma das
montadoras, o alemão Michael Schrekenberg impressionou-se com o caos paulistano
e chegou a sugerir inspeções rigorosas de veículos para evitar quebras e
interrupções no trânsito, controle das emissões de poluentes, ampliação dos
acostamentos, criação de faixas exclusivas para carros com mais de uma pessoa,
"trens para ligar regiões da metrópole às periféricas".
As soluções, entretanto, terão de ser rápidas. São Paulo já tem frota de mais
de 7,2 milhões de veículos, dos quais 3,8 milhões circulam diariamente. E não há
regras para motocicletas. Este ano ficará na capital paulista grande parte dos
mais de 3,6 milhões de veículos vendidos no País. O documento da Prefeitura que
menciona o pedágio urbano em 233 quilômetros quadrados do centro expandido, com
tarifa de R$ 1 (em Londres é de R$ 25), convive com outro da Secretaria de
Transportes que prevê para isso investimento de R$ 15 milhões, assim como a
construção de três garagens subterrâneas (na gestão municipal de Jânio Quadros,
há décadas, foi prevista a construção de 12 garagens subterrâneas, mas só duas
foram construídas).
Muito pouco para uma cidade onde a frota cresceu 3% (213,2 mil veículos) em
um ano e para um Estado já com 23,5 milhões (1,31 veículo por habitante em São
José do Rio Preto, 1,34 em Araçatuba, 1,39 em Ribeirão Preto, 1,41 em Jundiaí,
segundo a CartaCapital em 31/7). Uma fila única dos veículos da capital teria
mais de 20 mil quilômetros de extensão (Estado, 7/8), embora a rede viária local
tenha apenas 17 mil quilômetros. A cidade perde R$ 55 bilhões anuais com
congestionamentos, diz a Fundação Getúlio Vargas. No segundo semestre do ano
passado, eles atingiram 226,2 quilômetros em um dia. Este ano baixaram para
184,8 (Estado, 9/8). Tecnologias como GPS, imagens de satélites e outras são
cada vez mais comuns entre motoristas. Já os agentes municipais de trânsito só
têm os próprios olhos para observar menos de 200 das 15 mil vias públicas
(15/8). Apesar dos dramas, o Diário Oficial chegou a publicar texto
desaconselhando o uso de bicicleta (12/7), alternativa que só cresce em tantos
países.
Também fora daqui, a China - que já tem problemas graves com trânsito -
implantou 20 mil milhas de vias expressas e 12 rodovias nacionais. Só em Xangai
foram 1.500 milhas. Não por acaso, o país já é o maior produtor de carros. E
sabe que até 2025 terá de pavimentar 5 bilhões de metros quadrados de rodovias
(Foreign Policy, 17/8); até 2025, nada menos que 64% de sua população estará nas
cidades (48% em 2010); 22 cidades terão mais de 1 milhão de habitantes. Sua
frota de veículos poderá subir para 600 milhões em 2030.
Seria interessante que nossos planejadores/gestores lessem, por exemplo,
documentos como A bicicleta e as cidades, do Instituto de Energia e Meio
Ambiente (2010), que aponta problemas cruciais. "Prevalece", diz esse texto, "a
visão de que a cidade pode expandir-se continuamente e desconsideram-se os
custos de implantação de infraestrutura necessária para dar suporte ao atual
padrão de mobilidade, centrado no automóvel, cujos efeitos negativos são
distribuídos por toda a sociedade, inclusive entre aqueles que não possuem
carros". Entre os custos, a degradação da qualidade do ar (e seus reflexos nos
custos da saúde pública, 5,9% dos orçamentos públicos), a contribuição para o
aquecimento global, os desastres no trânsito. Hoje 70% do espaço público já é
destinado ao transporte (há poucos anos a Associação Nacional de Transportes
Terrestres mencionava 50%), embora apenas de 20% a 40% dos habitantes usem
automóveis. As estatísticas do estudo dizem que 38,1% dos deslocamentos diários
nas regiões metropolitanas brasileiras são feitos a pé; se forem considerados
trajetos feitos em até 15 minutos, os deslocamentos sem automóveis sobem para
70%. Nas regiões metropolitanas como um todo, os deslocamentos em automóveis
situam-se em 27,2%; em coletivos, 29,4%; a pé, 38,1%; em motos, 2,5%. E o
transporte público no Brasil está em 50% do total, enquanto na Europa chega a
mais de 80% (mas nos Estados Unidos a apenas 5%).
Outra consequência nefasta da ocupação do espaço público pelas estruturas
viárias - avenidas, túneis, viadutos, etc., nas áreas centrais -, diz o
documento, é forçar os habitantes a mudar-se para outras áreas habitáveis, o
que, por sua vez, gera a necessidade de urbanização dessas novas áreas - com a
pletora de custos que isso implica.
Das questões globais (aquecimento) às econômicas, sociais (injustiça com os
setores sociais mais desfavorecidos e taxados pesadamente pelos custos),
culturais, fiscais (isenção ou redução de impostos para veículos, sem nenhuma
contrapartida), etc., tudo está envolvido nas questões do transporte, já que
mais de 80% da população brasileira hoje é urbana. Não precisamos esperar que o
drama se agrave, com a frota atual de veículos no País passando dos 37 milhões
atuais para 70 milhões no fim desta década. Por mais complicada que seja, essa é
uma tarefa para hoje.
Até as montadoras de veículos já sabem disso.
* JORNALISTA
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