JC e-mail 4791, de 15 de Agosto de 2013.
Críticas ao projeto de lei de regulamentação da profissão de historiador ganham mais um reforço internacional
A Royal Historical Society, principal associação da Grã Bretanha na área, divulgou manifesto com seu posicionamento
Historiadores da Grã-Bretanha tornaram público ontem (14) o que pensam a respeito do Projeto de Lei 4.699/2012, que regulamenta a profissão de historiador no Brasil. A Royal Historical Society, fundada em 1868, divulgou documento criticando as novas regras. Assinado por Peter Mandler, presidente da entidade, o texto reforça o apoio internacional à manifestação das diversas sociedades científicas e associações profissionais brasileiras que se posicionaram contra a aprovação do projeto que tramita na Câmara dos Deputados.
Recentemente, as críticas ganharam a adesão do Comitê Executivo da Sociedade de História da Ciência (History of Science Society) e da Sociedade de História e Epistemologia das Ciências da Linguagem(Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage). No Brasil, já se manifestaram contra a proposta a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Comitê Brasileiro de História da Arte , a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Sociedade Brasileira de História da Ciência.
O projeto de lei ganha cada vez mais opositores porque estabelece que apenas portadores do diploma de história - graduação ou pós-graduação - poderão dar aulas de história, em qualquer nível, além de organizar informações para publicações, exposições e eventos, bem como elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos. No entanto, existem diversas áreas de pesquisa e ensino como história da ciência, da medicina, da física, do direito, da arte, da filosofia, da literatura, da educação e história militar, entre várias outras, que são desenvolvidas por profissionais de outras áreas.
De acordo com a carta aberta divulgada ontem pela Royal Historical Society, a história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. "É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável", avalia a principal associação da Grã-Bretanha dedicada à promoção e defesa do estudo acadêmico do passado.
(Mario Nicoll / Jornal da Ciência)
Carta original, em inglês:
Documento traduzido para o português:
14 de Agosto de 2013
A quem possa interessar:
Foi trazida à nossa atenção uma tradução para o inglês do "Projeto de Lei 4699/2012", que atualmente está sendo discutido pelos legisladores do Brasil, e que está causando grande preocupação internacional entre os historiadores profissionais. Esta proposta de legislação parece restringir não apenas o ensino de História, mas também a pesquisa e a escrita da história no Brasil a quem tem títulos em História, emitidos por instituições brasileiras, ou estrangeiros 'validados'.
Parece que está sendo feita alguma analogia, por exemplo, com o licenciamento profissional de psicólogos ou engenheiros para lhes conferir o direito de realizar serviços técnicos. Esta analogia nos parece ser falsa e perigosa. Em primeiro lugar, é completamente razoável restringir o desempenho de alguns serviços técnicos deste tipo àqueles que têm a certificação adequada; mas certamente não é razoável restringir "organização de informações" ou "elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos", mesmo sobre esses temas. Realmente, os profissionais muitas vezes dependem de "informações, pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos" de pessoas externas para criticar e melhorar as suas próprias práticas. Qualquer restrição deste tipo de comentário prejudicaria seriamente as práticas que se quer proteger.
Mas, em segundo lugar, a história simplesmente não é como a psicologia ou a engenharia. Não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável. A nossa própria experiência do estudo profissional de História atesta que algumas das maiores contribuições para este estudo foram feitas por filósofos, linguistas, cientistas, políticos e mesmo por cidadãos comuns e criativos, que assumiram um interesse humano natural sobre o seu próprio passado e pelo dos outros. (Um dos maiores historiadores da China já produzidos por este país [Inglaterra] era um químico, Joseph Needham.) É claro que os historiadores acadêmicos sempre julgarão tal tipo de trabalho por seus próprios padrões, para seus próprios propósitos. Mas não devemos pré-julgar o valor de tal trabalho, negando a qualquer pessoa o direito legal de empreendê-lo.
Confio que os legisladores brasileiros reconhecerão quão prejudicial seria tal limitação para a qualidade da vida intelectual e cultural em seu país, e rejeitarão qualquer lei desse tipo.
Atenciosamente,
Peter Mandler
Presidente
Endereços eletrônicos para acesso às manifestações anteriores:
SBPC e ABC
History of Science Society (HSS)
Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage
Comitê Brasileiro de História da Arte
Sociedade Brasileira de História da Ciência