RIO - Em sua última coluna, que será publicada nesta
segunda-feira nas páginas de Opinião em O GLOBO, Fernanda Young faz um pequeno
tratado sobre os cafonas e o seu mau gosto existencial no Brasil de hoje:
Bando de cafonas
A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia
estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice
que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que
escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona
na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção,
na mentira como tática, no atraso das ideias.
O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem
compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não
há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação,
delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.
O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer
todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha.
Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência,
porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por
todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade
para ser respeitado.
A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender
nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias.
Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se
pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta
pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.
O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas.
Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato.
Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer
tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos
a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.
Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais
chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de
tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.
Via O Globo/25.08.2019