domingo, 29 de novembro de 2015

Sobre o Doce, o risco dos rios e a memória das águas - Sérgio Abranches

ecopolítica
Sérgio Abranches
25.11.2015

O Doce não foi o meu rio, mas era o meu rio. Eu o conheço desde de minha infância e, sem saber, passava em sua primeira nascente, várias vezes ao ano, no caminho entre Belo Horizonte e a cidade de meu pai, Barbacena. Essa nascente fica em lugar de nome bem entranhado na cultura mineira, onde a cachaça é um valor patrimonial, Ressaquinha. Agora o Doce está à beira da morte e seus agressores prestes a escaparem ilesos.

Sempre tive paixão pelos rios. Cada fase de minha vida foi marcada por um rio, do qual guardo vívida lembrança. Na infância, foi o das Velhas. Na pré-adolescência, o São Francisco. Na juventude, o Descoberto, de Goiás. Na maturidade, os rios do Pantanal e da Amazônia. Sobre o rio das Velhas, minha lembrança mais viva era das mulheres dos caboclos sertanejos lavando suas roupas brancas nas águas límpidas. Intuía o destino do rio, embora não tivesse a menor noção de que, no futuro, aquelas águas limpas se tornariam tóxicas. Dessa intuição nasceu uma pergunta que entrou em vários escritos meus de juventude: lavadeiras do rio das Velhas, lavadeiras mineiras, vendo o rio acabar, o que passarão a lavar?  Hoje ele é um curso d’água quase imprestável, quase sem vida.

Continua.