terça-feira, 14 de abril de 2009

Adriano, ou a honra de ser inseto

A MÍDIA E O IMPERADOR

Via Obervatório da Imprensa - Por Sylvia Moretzsohn* - 14.04.2009

Quando, certa manhã, acordou metamorfoseado num inseto monstruoso, aquele pacato caixeiro-viajante cometeu a suprema ousadia de se expor sem máscaras. A repulsa foi previsível e inevitável: a metamorfose daquele pequeno funcionário insignificante que vivia a banalidade metódica de seus dias era a metáfora de um sistema que nos desumaniza a todos, mas que só pode funcionar ao preço da ignorância de nossa condição. Assumindo-se radicalmente como inseto, aquele homem comum e medíocre era nosso espelho insuportável.

A interpretação de Hélio Pellegrino do famoso conto de Kafka, num artigo publicado originalmente em junho de 1968 no Jornal do Brasil e reproduzido vinte anos depois em livro, permite um paralelo com o caso do jogador Adriano: o ex-garoto pobre transformado em celebridade por imposição do complexo midiático-empresarial, que fabrica imperadores e outros fenômenos – e depois os descarta –, decide "dar um tempo" e provoca espanto, indignação e escárnio ao dizer que não é feliz assim e que deseja voltar a ser um homem comum. Suprema ousadia: declara seu amor pelo lugar ("a favela") onde nasceu. Por isso, precisa ser ridicularizado, execrado, criminalizado: é uma afronta insuportável rejeitar o que todos exaltam. Continua



*Sylvia Moretzsohn: Jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)