JC e-mail 4848, de 04 de novembro de 2013
Acre quer 'bolivianos' no Mais Médicos
Estado pressiona ministério para inclusão de brasileiros formados no país vizinho em programa do governo federal, reporta Folha de domingo
Um dos principais exportadores de estudantes de medicina para a Bolívia, o Acre propôs ao Ministério da Saúde que autorize a entrada de brasileiros formados no país vizinho no programa Mais Médicos mesmo sem o Revalida, o exame federal para reconhecer o diploma de medicina obtido no exterior.
Atualmente, médicos formados na Bolívia, sejam brasileiros ou não, estão impedidos de se inscrever.
O motivo oficial é que só está permitida a participação de profissionais com registro em países com proporção de médicos maior que a do Brasil, ou seja, com mais de 1,8 médico por mil habitantes.
A Bolívia, um dos países mais pobres da América do Sul, conta com 1,2 médico por mil habitantes.
Recentemente, a Secretaria de Saúde do Acre fez um pré-cadastro de brasileiros formados principalmente na Bolívia, num total de cerca de 700 potenciais participantes.
"O objetivo foi demonstrar para o governo federal que já tínhamos profissionais formados na Bolívia que já moravam no Brasil e não atuavam no mercado boliviano", disse por telefone à Folha a secretária de Saúde do Estado, Suely Melo.
O levantamento indicou que, apenas no Acre, há 368 médicos formados no exterior sem o Revalida, dos quais 98% estudaram na Bolívia.
Não há números oficiais sobre o total de acreanos cursando medicina no país vizinho, mas o governo estadual estima que chegue a 6.000.
Muitos nem precisam viver na Bolívia. Recentemente, foi aberto um curso de medicina em Cobija, vizinha às cidades acreanas de Brasileia e Epitaciolândia
Em reunião há um mês com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governo acreano argumentou que esses médicos não podem ser enquadrados nas regra do Mais Médicos porque já não vivem mais na Bolívia.
"O ministro acenou positivamente, desde que as universidades de formação estivessem dentro do Arcu-Sul [acreditação do Mercosul] e fossem reconhecidas pelo Ministério da Saúde da Bolívia", afirmou a secretária.
Procurado ontem pela reportagem, o Ministério da Saúde não se pronunciou sobre a proposta acreana.
Atualmente, segundo o ministério, apenas um brasileiro formado na Bolívia conseguiu autorização judicial para atuar no programa, mas a Advocacia Geral da União (AGU) está recorrendo.
COMPETÊNCIA
A secretária disse que a criticada qualidade dos cursos de medicina na Bolívia não representa um risco para o programa Mais Médicos.
Ela lembrou que se trata de um programa voltado apenas à atenção básica e que o médico contratado passará antes por três semanas de avaliação por um médico brasileiro, que pode vetá-lo.
"Não sou eu que vou julgar, tem a universidade, professores doutores que vão acompanhar esses profissionais", afirmou Melo.
O governo do Acre também buscou a Bolívia para que o país agilize a burocracia na concessão de registros definitivos aos brasileiros formados.
O próximo passo será se reunir com reitores de universidades do país vizinho. Melo quer que que elas refaçam a grade curricular e as tornem mais parecidas à das instituições brasileiras.
DEFICIÊNCIAS
Além dos problemas com corrupção, as faculdades de medicina boliviana são criticadas por deficiência como a falta de hospitais associados, baixa carga teórica, professores com má qualificação ou que dão aulas em disciplinas longe de sua especialidade.
Esses temas foram discutidos com o embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano, que tem interesse direto no assunto: ele é o ex-reitor e dono da Universidade Nacional Ecológica (UNE).
A universidade tem uma faculdade de medicina em Santa Cruz e teria planos para abrir outra em Puerto Suárez, cidade vizinha a Corumbá (MS).
"Ele acabou confessando isso pra gente quando veio aqui", disse Melo, em tom de brincadeira, ao contar que só descobriu que Justiniano é dono de uma universidade durante a reunião.
Falando sob a condição do anonimato, um ex-professor de medicina da Universidade Cristã da Bolívia (Ucebol) disse que o Brasil não deveria contratar médicos formados no país sem o Revalida.
"Estariam colocando demasiadas vida em jogo", disse à Folha. "Se o governo autorizar quem não está bem formado, termina sendo um cúmplice do que ele possa fazer. É preciso avaliá-lo.
"Talvez os exames não sejam o melhor parâmetro, mas é o único com o qual podemos testar a capacidade do formado", concluiu.
(Folha de S.Paulo)