quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Inculta, bela e escanteada

Via Estadão
Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO, PROFESSORA EMÉRITA DA FFLCH/USP
02.12.2012

Encontra-se em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.

Não há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado, amputando anos de cada um deles.

O que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15 anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.

A França era campeã de departamentos de estudos portugueses e brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são "raras como o português", esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da Sorbonne.

Todavia, nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil professores de português para suprir seus planos nessa área, que passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e, espera-se, 35 nos próximos anos. CONTINUA!