quarta-feira, 16 de julho de 2014

Segurança falaciosa

Jornal da UNICAMP
23 de junho de 2014 a 03 de agosto de 2014
Via EcoDebate
Texto: MANUEL ALVES FILHO
Fotos: Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo

Estudo revela que agricultores familiares não têm condições de cumprir normas de uso seguro dos agrotóxicos

No Brasil, o conceito de uso seguro relacionado aos agrotóxicos é uma falácia. A constatação, em tom de alerta, é da dissertação de mestrado do farmacêutico Pedro Henrique Barbosa de Abreu, defendida recentemente na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, sob a orientação do professor Herling Alonzo. De acordo com o pesquisador, as normas contidas na denominada Lei dos Agrotóxicos, sancionada em 1989, bem como as diversas e complexas medidas técnicas descritas nos manuais de segurança, elaborados pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef, que representa as indústrias químicas) e por instituições públicas de saúde, meio ambiente e agricultura, não podem ser cumpridas, principalmente por parte dos agricultores familiares, que não dispõem de informações e nem de recursos para tal. “Ou seja, quando o assunto é agrotóxico, não se pode falar em uso seguro no país”, sustenta o autor do trabalho.

A pesquisa de Abreu foi desenvolvida junto a 81unidades produtivas de agricultura familiar do município de Lavras, em Minas Gerais. O pesquisador entrevistou 136 trabalhadores rurais para identificar as práticas de trabalho relacionadas aos agrotóxicos e as medidas de segurança adotadas em relação aos riscos de contaminação ambiental e/ou intoxicações humanas. O primeiro dado que chamou a atenção do autor da dissertação foi a quantidade de produtos usados nos diferentes tipos de lavoura, como café, hortaliças, grãos etc. “Nós identificamos um total de 127 produtos agrotóxicos diferentes utilizados nessas propriedades. Pouquíssimas usam apenas um  tipo. A maioria usa de dois a seis, sendo que parte delas emprega até 20”, espanta-se.

Pelas declarações dos agricultores, boa parte das medidas contidas nos manuais de segurança não é cumprida, seja por falta de conhecimento e/ou condição econômica dos usuários, seja pela ausência de políticas públicas que favoreçam a adoção de práticas consideradas seguras. Abreu explica que os manuais de segurança contemplam seis etapas relacionadas ao uso dos agrotóxicos: aquisição, transporte, armazenamento, preparo e aplicação, destinação final das embalagens vazias e lavagem das roupas e dos equipamentos de proteção individual (EPIs) contaminados. “Ocorre que dentro de cada uma delas existem diversas e complexas medidas a serem cumpridas pelo agricultor. Se uma delas não for atendida, não se configura o uso seguro”.

Para comprar os produtos, por exemplo, o agricultor precisa que um agrônomo visite a propriedade e faça a prescrição dos agrotóxicos. “Na agricultura familiar, isso praticamente não existe. Na maior parte dos casos, o agricultor vai à loja, que conta com um agrônomo contratado. É ele quem prescreve o produto, sem sequer ter visitado a propriedade”. Em relação ao transporte, continua Abreu, a situação também é preocupante. Conforme descrito nos manuais de uso seguro, os agrotóxicos devem ser transportados na parte externa de caminhonetes. “Entretanto, muitos produtores dispõem apenas do carro de passeio da família, geralmente muito antigo, e é nele que carregam os produtos. Para esses trabalhadores, é completamente inviável comprar uma caminhonete para fazer o transporte descrito como seguro nos manuais”, pondera.

Continua!