sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Música e linguagem dividem mesmo espaço no cérebro


JC e-mail 4899, de 20 de fevereiro de 2014
Música e linguagem dividem mesmo espaço no cérebro


Área cerebral ativada durante improvisos de jazz é a mesma da linguagem falada


A noção de que a música é uma linguagem (e universal) nunca fez tanto sentido. Quando músicos de jazz se alternam numa improvisação é como se, de fato, estivessem conversando. Foi o que mostrou um estudo que analisou como a criatividade afetava o cérebro. No experimento, os pesquisadores da Escola Médica da Universidade John Hopkins, nos EUA, mostraram que o cérebro de jazzistas, quando imersos numa interação musical, têm uma forte ativação nas áreas tradicionalmente associadas à linguagem falada e à sintaxe - como as palavras são organizadas nas frases e sentenças.

O estudo publicado na revista "Plos One" usou ressonância magnética para rastrear a atividade cerebral de músicos de jazz enquanto estavam tocando e improvisando em conjunto. Geralmente, eles introduzem novas melodias, elaboram e modificam a estrutura musical no curso da performance. O resultado do estudo sugere que as regiões cerebrais que processam a sintaxe não estão limitadas apenas à linguagem falada. Pelo contrário, o cérebro usa essa área para processar a comunicação em geral, seja pela linguagem ou pela música.

Autor de estudo é músico e cientista
O estudo é de um badalado pesquisador, que também é músico, e há três anos apresentou um seminário no TED sobre como o cérebro funcionava durante um processo criativo. Na ocasião, além de jazzistas, ele também pesquisou a reação cerebral de rappers. E mostrou que o cérebro tinha reações diferentes quando fazia uma performance de improviso, ou seja, criando, do que quando apenas decorava uma música. Agora, o estudo vai além e mostra qual é a reação cerebral quando se toca jazz em conjunto.

- A pesquisa é específica a músicos de jazz, mas provavelmente é aplicável à 'conversa' musical de forma mais geral - afirmou ao GLOBO o professor Charles Limb, do Departamento de Otorrinolaringologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Johns Hopkins.

O estudo também mostrou que existe uma diferença fundamental entre como o significado é processado pelo cérebro para a música e para a linguagem. É o sintático, e não semântico, que é a chave para este tipo de comunicação musical. Ou seja, na conversa musical, desliga-se a área do cérebro relacionada com a semântica - aquela que processa o significado da linguagem falada.

- O que faz sentido, porque a riqueza da estrutura da música é o que dá o seu significado. É possível ter um discurso substancial na música, sem qualquer palavra - completou.

A improvisação liga áreas cerebrais chamadas giro frontal inferior e giro temporal superior e inferior. Enquanto isto, desativa a estrutura envolvida no processamento semântico, chamada giro angular e giro supramarginal.

Participaram do estudo 11 homens com idades entre 25 e 56 anos com proficiência na performance de jazz no piano. A cada dez minutos de sessão musical, um deles era testado no equipamento.

- Quando os músicos parecem imersos em pensamento, eles não estão simplesmente esperando a sua vez de tocar. Eles estão usando as áreas sintáticas do cérebro para processar o que eles ouviram e, em seguida, responder tocando uma nova série de notas que não foi previamente composta ou praticada.

É o que explica, na prática, o músico Ricardo Fernandes, que toca bateria durante as sessões de jazz.

- Eu me sinto como se estivesse defendendo uma ideia. Da mesma forma que cada um tem uma maneira de falar e escolher determinadas palavras em detrimento de outras, na hora de tocar a gente também escolhe alguns caminhos de notas e prioriza uns intervalos. Isso dá uma personalidade a cada instrumentista - comenta Fernandes. - Quando você estuda música, começa a aprender as escalas e é dentro delas que é possível construir frases. Ou seja, é possível construir um sentido coerente para alguém.

(Flávia Milhorance/O Globo)