Por CARLOS HAAG
Edição 202 - Dezembro de 2012
Ideias de José Bonifácio foram marcadas pela união estreita do homem público com o naturalista
Pesquisa feita em 2011 pelo Congresso Nacional revelou que apenas 8% dos 652 deputados e senadores têm mestrado ou doutorado. No Senado, 9,5% dos parlamentares nem sequer ingressaram num curso superior. As estatísticas, talvez, não afetem o desempenho dos congressistas, como querem alguns especialistas, mas a comparação com o currículo de um político do passado, José Bonifácio (1763-1838), dá o que pensar. Cientista reconhecido por seus pares, com uma carreira de nível mundial, raridade no século XVIII, era versado em mineração e metalurgia, na teoria e na prática, com vários artigos publicados nos principais jornais acadêmicos da Europa, em várias línguas.
Afinal, ele falava e escrevia em seis idiomas e lia em 11, um homem erudito e ávido leitor de estudiosos das mais diferentes áreas do pensamento. Foi membro das principais academias de ciências do planeta, descobriu diversos minerais, foi professor na Universidade de Coimbra e dirigente de algumas das principais indústrias de Portugal e do Brasil. É também o único brasileiro ligado à descoberta de um novo elemento químico, o lítio, e, em sua homenagem, a granada de ferro e cálcio foi batizada de andradita. Pregava, muito antes da ecologia, a exploração “racional” dos recursos naturais, esbravejando contra a destruição das florestas. José Bonifácio via as ciências como fundamentais para o desenvolvimento do Brasil: projetou a criação de universidades, de escolas de minas, de expedições científicas para mapear o território e de sociedades econômicas e científicas.
“Mas foi reduzido ao papel político de Patriarca da Independência, um movimento que ele rejeitou até o último momento. Bonifácio, acima de tudo, foi um cientista, formado pela Ilustração, e que desdenhava o conhecimento de gabinete. Acreditava numa ciência com sentido propositivo e prático. Para ele, sua condição de cientista o capacitava a encontrar soluções racionais para os problemas enfrentados pelo Estado”, explica a historiadora Miriam Dolhnikoff, da Universidade de São Paulo (USP) e autora da biografia recém-lançada José Bonifácio (Companhia das Letras). “Como político, sua faceta mais conhecida, ele esteve à frente do processo de construção de uma nova nação, mas a maneira como pensou essa nação foi determinada pela formação de cientista”, diz. Segundo a pesquisadora, o “cientista político” quis fabricar a nacionalidade em seu laboratório social, bastando misturar nos tubos de ensaio do cotidiano as diversas matrizes culturais para produzir uma única, sintetizada na mestiçagem.
“Há mérito no conhecimento concentrado nas realizações de Bonifácio como político. Mas a política se restringiu, no Brasil, a apenas dois anos na vida de um senhor de 59 anos, já aposentado, dono de uma longa carreira como mineralogista em Portugal”, lembra o jornalista e cientista político Jorge Caldeira, responsável pela digitalização da obra completa de José Bonifácio, disponível no portal Obra Bonifácio. “Foi o erudito brasileiro mais respeitado na comunidade científica internacional na época. Por isso, não aceitava compromissos e sofreu preconceito por ser um cientista de renome internacional que também tinha muito poder político.” Continua
Legenda da imagem: