JC e-mail 4875, de 13 de dezembro de 2013
A dupla linguagem do DNA
Cientistas revelam que algumas regiões do genoma servem tanto para codificar proteínas quanto para regular sua produção
Desde a descoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, que completou 60 anos em 2013, a ciência tem avançado cada vez mais na tentativa de compreender os mecanismos como esta complexa molécula governa grande parte da vida como conhecemos. No seu alfabeto de apenas quatro "letras" - as bases adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G), conhecidas como nucleotídeos -, agrupadas em sequências de três, chamadas códons, estão as instruções para a fabricação de 20 aminoácidos que, unidos em cadeias, formam as milhares de proteínas essenciais para a sobrevivência e reprodução de praticamente todos os organismos da Terra.
Mais recentemente, já em 2000, o primeiro rascunho do Projeto Genoma Humano mostrou que apenas 2% das "palavras" escritas com 3 bilhões destas letras no núcleo de nossas células, os conhecidos genes, num total de cerca de 22 mil, faziam sentido, isto é, traziam informações para a fabricação das proteínas, com o resto sendo classificado como DNA "lixo", ou não codificante. Esta visão prevaleceu até o ano passado, quando uma série estudos de produzidos por 442 cientistas de 32 instituições espalhadas pelo mundo, reunidos num projeto batizado ENCODE (sigla em inglês para "enciclopédia de elementos do DNA"), revelou que uma boa parcela, se não todo, esse "lixo" tem sim função, regulando o funcionamento, a chamada expressão, dos genes, algo como um imenso painel de controle instalado no genoma humano.
Agora, pesquisadores da Universidade de Washington envolvidos no ENCODE descobriram que um grande número de códons nos nossos genes pode ter função dupla, servindo tanto para codificar pedaços das proteínas quanto para regular a expressão do gene. Batizadas "duóns", estas sequências de nucleotídeos fazem parte de um tipo específico de mecanismo regulatório genético conhecido como fator de transcrição, essencialmente "falando" as duas línguas do DNA, codificante e não codificante. Segundo os pesquisadores, a descoberta dos duóns pode servir de chave para compreender como algumas mutações genéticas estão ligadas ao desenvolvimento de diversas doenças, como o câncer, e deve mudar a maneira como médicos e especialistas interpretam informações sobre o genoma de seus pacientes, além de abrir caminho para novos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento.
- Por mais de 40 anos presumimos que mutações no DNA que afetam o código genético só tinham impacto sobre a forma como as proteínas são fabricadas - diz John Stamatoyannopoulos, líder da pesquisa e principal autor de artigo sobre a descoberta dos duóns, publicado na edição desta semana da revista "Science". - Agora sabemos que esta forma básica de ler o genoma humano deixou de fora metade do quadro. Esta descoberta destacam que o DNA é um poderosos mecanismo de armazanemento de informações que a natureza explorou completamente de formas inesperadas. O fato de o código genético poder escrever dois tipos de informação significa que muitas mutações no DNA que parecem mudar as sequências de proteínas na verdade podem causar doenças ao perturbarem os sistemas de controle dos genes, ou mesmo ambos mecanismos simultaneamente.
(Cesar Baima/O Globo)