JC e-mail 4778, de 29 de Julho de 2013.
Gasto com a Copa também gera reclamações entre cientistas
Em
entrevista para a Deutsche Welle, publicada no Portal Terra, presidente da SBPC,
Helena Nader, diz que a ciência é a chave para o desenvolvimento do
Brasil
Reunidos em Recife até esta sexta-feira, pesquisadores brasileiros discutem
como fazer a ciência avançar no País, no 63º encontro da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, SBPC. Helena Nader, bióloga, cientista há mais de
30 anos e presidente da instituição desde 2011, não quer tirar recursos dos
esportes - só quer que a ciência seja tratada da mesma forma.
Em entrevista por telefone, Nader disse que educação básica no Brasil é
"muito ruim", mas que, na universidade, o País forma pesquisadores competitivos,
que quase nunca retornam depois de uma temporada de estudos no exterior.
DW Brasil: Qual a maior preocupação da sociedade científica no Brasil
de hoje?
Helena Nader: É a legislação vigente hoje para a ciência.
Nós estamos sob a égide de uma lei que não é voltada para a ciência: é uma lei
geral, voltada para compras no sistema público. Para se comprar qualquer
equipamento, ou reagentes, é necessário fazer pregão, diversas licitações... E
às vezes é preciso comprar um equipamento para uma determinada pesquisa. São
legislações que estão travando e burocratizando toda a ciência brasileira. É o
maior entrave na vida do pesquisador.
Nós temos problemas no sistema de importação - as importações acabam levando
meses, em alguns casos até um ano. Eu até comento que acho que é fantástico o
que o Brasil já conseguiu fazer na ciência apesar de todo o esforço para o País
não andar para frente (risos).
Na opinião da senhora, o Brasil tem condições de formar bons
pesquisadores?
Para formação o Brasil está muito bem. Tanto que a grande maioria dos nossos
estudantes que vão para fora do País - seja durante a graduação, na pós ou no
doutorado -, é convidada a permanecer. Isso acontece, provavelmente, por causa
do funil da seleção para se entrar na universidade brasileira.
Apesar da expansão da universidade pública no Brasil e do financiamento para
estudo em universidades privadas, o número de brasileiros que chega às
universidades é pequeno. A gente tem uma forte seleção e aqueles que entram são
altamente competitivos.
A ciência no Brasil também está sendo feita em institutos de pesquisa ligados
a diversos ministérios, como no Inmetro. O que nós não temos estruturado ainda
como uma norma no País é a investigação no setor produtivo, nas empresas. Claro
que existem exceções, como a Petrobras, que desenvolveu toda a tecnologia de
exploração do Pré-Sal, a Embraer, que investe em doutores e pós doutores para
fabricar aviões reconhecidos no mundo. Mas ainda não existe uma cultura de se
fazer pesquisa na indústria. Mas está acontecendo uma tentativa de se reverter
esse quadro.
Isso explica a pouca inovação no Brasil?
A inovação não é feita na universidade. A universidade é parceira, mas quem
faz a inovação é o setor produtivo. Esse quadro está começando a mudar, mas leva
tempo. A Alemanha mesmo tem uma grande história para a produção que o País tem
nessa área de inovação.
As universidades no Brasil também são recentes, a institucionalização da
carreira do professor é recente, aconteceu nos últimos 60 anos. E os
financiamentos mais constantes começaram a acontecer nos últimos 15 anos. A
ciência brasileira, há 30 anos, era muito periférica.
Agora precisamos do envolvimento do empresariado brasileiro com a produção da
tecnologia e inovação. Mas isso vai levar tempo. Inovação leva pelo menos,
dependendo da área, de 5 a 10 anos.
As universidades brasileiras são competitivas em relação às
demais?
Não. Ainda estamos aquém do que o Brasil precisa. Precisamos de muito mais
investimento. Nos últimos 10 anos, o Brasil começou a fazer o que na Europa e
nos Estados Unidos já é uma tradição: laboratórios nacionais ou interPaíses. Ou
seja, em vez de se ter um equipamento de grande porte localizado para um grupo,
esse equipamento fica disponível nos chamados laboratórios nacionais.
O primeiro grande exemplo que deu certo no Brasil foi o Laboratório Nacional
de Luz Síncrotron (LNLS). Ao redor dele cresceram outros laboratórios nacionais,
como o de Nanotecnologia, o de Bionergia... Estamos discutindo a construção de
outros, não se pode concentrar tudo em uma região. Pensamos que o
desenvolvimento tem que atingir a inclusão social, então ele precisa acontecer
em todas as regiões do País.
Esses laboratórios nacionais podem levar o Brasil a um novo
patamar?
Sem dúvida, assim como o Brasil pautou a agricultura tropical - e eu digo
isso com muita felicidade, que nós somos os melhores. Ninguém acreditava que o
solo do cerrado servisse para plantação de soja. Mas com pesquisa e tecnologia
provou-se o contrário. Hoje o País produz soja com alta produtividade.
Isso foi a ciência: houve um investimento na Embrapa [Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária], nas universidades e escolas de agronomia. Nós queremos
agora agregar valor aos produtos brasileiros. No caso da soja, por exemplo,
ainda exportamos apenas os grãos. Mas temos uma agricultura que permitiu mudar o
padrão de alimentação do povo brasileiro, que hoje tem uma mesa muito mais
farta. Na década de 60 o leite tinha que ser importado!
Houve uma mudança via ciência, e o Brasil está reconhecendo isso. Mas
precisamos melhorar. A educação pública básica ainda está muito ruim e o País
reconhece isso. Mas o Estado brasileiro incorporou que é fundamental ter a
ciência como aliada para dar um salto econômico.
A senhora apoia a participação do Brasil em grandes projetos
internacionais milionários, como o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em
inglês), uma organização de pesquisa em astronomia que poderia custar até 255
milhões de euros em dez anos ao País?
Não acho uma contradição que o Brasil queira fazer parte. A aprovação depende
do Congresso Nacional. É um grande investimento. É muito mais que o gasto no
LNLS que ainda está sendo construído. Mas acho que o Brasil tem que entrar. Tudo
o que fará o País avançar na ciência, obviamente, vai receber o apoio da
SBPC.
Mesmo que o País tenha ainda tanto o que fazer, por exemplo, na
educação básica?
Eu sei. Mas isso não quer dizer que o Brasil agora só tenha que investir em
educação básica. Porque isso seria cometer erros do passado. Demoramos muito
para atingir o padrão que temos hoje. Eu não posso só investir em um ponto e
esquecer o resto. O que falta no Brasil é a iniciativa privada acreditar que
precisa investir em ciência. Também faltam doações, o que é muito comum na
Europa e nos Estados Unidos.
A gente lutou muito para os recursos do Pré-Sal fossem investidos em
educação. Nós defendemos que os royalties devem ser investidos da seguinte
maneira: 70% para ensino básico, 20% para o superior e 10% para ciência e
tecnologia. Ainda não desistimos.
De onde poderiam vir os recursos para o ESO?
O País tem recursos. Um País que decidiu que vai ser sede da Copa do Mundo e
que constrói tantos estádios... Alguns gastos são mais elevados que a construção
da linha de luz síncrotron, que será a mais moderna do mundo. Para atender às
especificidades internacionais, o projeto do LNLS está orçado em 650 milhões de
reais. Ou seja, menos que um estádio de futebol.
Eu não quero tirar dos esportes, acho que o esporte é importante, ele
constrói cidadania. Mas eu quero ser tratada igual, só isso. A presidente Dilma
tem feito um discurso que mostra que ela está acreditando em ciência.
A senhora está falando do Ciência sem Fronteira? Como a senhora mesmo
disse, muitos estudantes vão para o exterior e não voltam. Vai chegar o momento
em que o Brasil vai brigar para recrutar todos esses cientistas de
volta?
Eu acho que o programa Ciência sem Fronteira vai dar um grande impacto no
País. Eu espero estar viva e com a cabeça boa para, daqui a dez anos, poder
falar sobre esse impacto. Falei para a presidente: "A senhora foi muito
criticada porque o programa aconteceu muito rápido. Mas se a senhora tivesse
tentado montar o programa perfeito nunca teria começado. A senhora fez o que
devia, montou e agora está trocando pneu com o carro andando."
Agora, eu adoraria que o Brasil se preocupasse em recrutar os cientistas
brasileiros espalhados pelo mundo. Mas ainda vai levar um tempo. Eu seria
leviana se dissesse que isso já está para acontecer. Nós temos que melhorar
muito. Se a legislação não mudar, se não resolvermos os problemas para importar
e a infraestrutura, e se não tivermos os laboratórios nacionais, o indivíduo que
está hoje produzindo na Europa e nos Estados Unidos não vai querer voltar.
É um processo. Se tivermos um projeto de Estado, e não de governo, a gente
poderá mostrar um novo panorama, com uma legislação pró-ciência. Podemos
oferecer o sol que brilha o ano todo, a ausência de terremotos, um País que
recebe todos de braços abertos e convidar todos para vir fazer ciência aqui.
(Portal Terra)
http://noticias.terra.com.br/ciencia/pesquisa/gasto-com-a-copa-tambem-gera-reclamacoes-entre-cientistas,3ea7ce0594010410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
Mais sobre o assunto:
SBPC discute gastos e investimentos na Copa do Mundo
http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-2014/sbpc-discute-gastos-e-investimentos-na-copa-do-mundo,ae18d475ad710410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html