JC e-mail 4768, de 15 de Julho de 2013.
'Brasil forma muito mal seus professores', diz pesquisadora
Para a
doutora em Educação pela Universidade de Harvard, o país erra ao ser pouco
específico nas diretrizes curriculares
Em comparação com países que obtêm bons resultados na Educação, o
Brasil comete um grave erro ao ser pouco claro na definição do currículo da
educação básica. Este equívoco é agravado pelo fato de que, por aqui,
orientações pouco claras sobre o que e como ensinar acabam caindo nas mãos de
professores muitas vezes mal formados, mas com autonomia total para escolher
como trabalhar conteúdos em sala de aula.
Este é o diagnóstico de Paula Louzano, professora da USP e doutora
em Educação pela Universidade de Harvard, que apresentou há dez dias, no
Conselho Nacional de Educação, um estudo comparativo sobre a organização do
currículo brasileiro e a de outros oito países: Austrália, Cuba, Chile, Estados
Unidos, Finlândia, Portugal, México e Nova Zelândia.
O que distingue o currículo brasileiro daqueles dos países
que você pesquisou?
É o grau de especificação pelo governo (nacional, estadual ou
municipal) do que deve ser ensinado em comparação com o que é definido pelo
professor ou pelas escolas. No âmbito internacional, os países que outorgam
maior autonomia a seus professores e escolas são Finlândia e Nova Zelândia. E
estes países especificam muito mais o que deve ser ensinado em sala de aula em
seus documentos nacionais do que nós fazemos. É verdade que no Brasil alguns
estados e municípios definem o que deve ser ensinado em suas orientações
curriculares, mas este não é um esforço nacional, e portanto depende da
capacidade técnica e dos recursos disponíveis em cada ente federado. Isso gera
desigualdade, já que os estados e municípios maiores e mais ricos foram
justamente os que conseguiram realizar esta tarefa. Além disso, a nossa
legislação determina que devemos ter uma base curricular comum a nível nacional,
e este modelo de especificação do currículo pelos entes federados não
necessariamente representa isso.
O país com melhores resultados na Educação no mundo é a
Finlândia. E, lá, professores e escolas têm alto grau de autonomia na hora de
elaborar o plano de aula. Por que lá dá certo e aqui não?
Sim, é fato que a Finlândia é o país que outorga maior autonomia a
seus professores e escolas. No entanto, se nos atemos à legislação vigente, há
no geral mais autonomia curricular no Brasil que na Finlândia. Nossas diretrizes
curriculares nacionais não definem o que deve ser ensinado com o nível de
especificação do currículo nacional finlandês. Além disso, o currículo nacional
finlandês estabelece o que é considerado um desempenho adequado no final de cada
ano, em cada uma das disciplinas. Com esta informação, o professor avalia o
desempenho de seus alunos, e por isso não há avaliação externa lá. O professor
avalia o aluno, mas o critério é comum.
Vale lembrar que há 20 anos a Finlândia especificava muito mais
seu currículo centralmente, e portanto dava menos autonomia aos professores.
Naquele momento, o país decidiu que queria investir na construção desta
autonomia docente e o fez progressivamente, aumentando o rigor e a qualidade dos
cursos de formação inicial de professores e, simultaneamente, diminuindo a
especificação curricular e colocando a avaliação na mão do docente. Para ser
professor na Finlândia, hoje, é necessário um curso de nove mil horas, com sete
anos de duração, sendo que um terço delas corresponde a uma espécie de
residência pedagógica: o futuro professor estagia em uma escola onde um
professor tutor se responsabiliza junto com a universidade por sua formação.
O Brasil especifica pouco seu currículo e forma muito mal seus
professores - hoje 30% das matrículas nos cursos de formação de professores são
à distância -, ou seja, esperamos que professores mal formados, que muitas vezes
têm pouco domínio do conteúdo ser ensinado, tenham autonomia total.
Na América Latina, Chile e Cuba são os mais citados como
modelos na Educação. Como é o currículo nestes países e em que eles diferem do
Brasil?
O Chile especifica o que deve ser ensinado a nível nacional e
deixa pouco ou quase nenhum espaço para a escola. No entanto, não especifica
centralmente como ensinar. Esta é uma decisão dos professores e das escolas.
Em Cuba, o governo define e especifica em detalhes o que e como se
deve ensinar em cada uma das disciplinas, incluindo a sequência em que os
conteúdos são apresentados e o tempo dedicado a cada um deles.
Estes dois países são unitários, o que deve ser levado em conta,
já que o Brasil é federativo. Não digo que isto impede definições nacionais.
Austrália, México e Estados Unidos, também federativos, fizeram especificações
curriculares nacionais. Mas, nestes países, a especificação tende a ser menor:
há mais espaço para outras instâncias intermediárias, como estados e municípios,
intervirem.
Você acha que seria adaptável ao Brasil este modelo
existente em alguns países, como Cuba, em que os documentos de orientação aos
professores não apenas dizem o que ensinar, mas como ensinar?
Não acredito neste modelo de controle total do trabalho docente
nem que ele caiba no nosso país. Isto não quer dizer que o que temos seja
suficiente.
Devemos nos aproximar do modelo de países como Finlândia, Nova
Zelândia e Austrália, ou mesmo Estados Unidos, onde há uma especificação
nacional sobre o que ensinar, mas que é flexível e deixa espaço para a
diversidade de métodos e caminhos. Por exemplo, a Finlândia determina que o
aluno no final do segundo ano deve saber frações simples como metade, um terço e
um quarto. Como o professor ensina isso e quando é uma decisão dele. Mas é
importante frisar que estamos longe disso, já que nossas diretrizes curriculares
nacionais não fazem nem isso.
A reforma curricular teria impactos imediatos na qualidade
do ensino ou seria preciso esperar uma geração de professores formados a partir
de uma nova base para colher os frutos?
O currículo por si não garante a melhoria da qualidade da
Educação, e sua definição não vai trazer impacto imediato se não vier
acompanhada de sua implementação, o que envolve capacitação dos professores para
implementá-lo.
Este tem sido o problema nos Estados Unidos. O Common Core
(currículo base) estabeleceu habilidades pouco trabalhadas pelos professores
antes de sua adoção - como, por exemplo, a complexidade textual. Os
profissionais não estavam preparados para ensinar esta habilidade, e não havia
material didático. Isto tem dificultado a implementação deste novo currículo.
Por melhor que seja um currículo, sem a sua implementação na sala de aula ele
não vale nada. Segundo Michael Fullan (pesquisador em Educação da Universidade
de Toronto), 25% do sucesso de uma reforma dependem da sua aprovação ou desenho
e 75%, de sua implementação.
Apesar de não garantir a melhoria, o currículo é uma base
fundamental e um norte para as demais políticas, como a avaliação, os materiais
didáticos e a formação dos professores. Como avaliamos nossos alunos com uma
prova padronizada se não temos currículo? Isso é um contrassenso e explica por
que a avaliação tem se transformado em currículo no Brasil.
No caso brasileiro, já que somos uma federação com tanta
diversidade regional e cultural, faz sentido exigir um currículo mínimo para
todas as escolas?
Sim, por um tema de equidade e igualdade de oportunidades. Não é
possível que alguns brasileiros tenham acesso a um conjunto de conhecimentos
acumulados pela sociedade e outros não. E que o local, a família e o grupo
social em que uma criança nasça determinem o tipo de conhecimento a que ela vai
ter acesso. A diminuição das desigualdades é a força motriz por trás desta
política na maioria dos países, e deveria ser ainda mais forte aqui no Brasil,
já que somos um dos países mais desiguais do mundo.
(Antônio Gois / O Globo)
http://oglobo.globo.com/educacao/brasil-forma-muito-mal-seus-professores-diz-pesquisadora-9033784#ixzz2Z7Un9Ylp