sexta-feira, 9 de maio de 2014
‘A alimentação é o nosso primeiro remédio’. Entrevista com Richard Béliveau
Via EcoDebate
08.05.2014
Canadense, o professor Richard Béliveau é doutor em bioquímica, diretor científico do Laboratório de Medicina Molecular e da Cadeira em Tratamento do Câncer da Universidade de Quebec, em Montreal. Co-autor com Denis Gingras de A dieta anti-envelhecimento (Le Livre de Poche), ele explora há mais de 30 anos as propriedades anticancerígenas dos alimentos. Há pesquisas muito avançadas na América do Norte para doenças da civilização em plena expansão.
Doença de Alzheimer, câncer, diabetes, problemas cardiovasculares… Estas doenças da civilização poderiam ser evitadas com a mudança da nossa alimentação, explica o Dr. Béliveau, lembrando o famoso ditado de Hipócrates, há cerca de 2.500 anos: “Que teu alimento seja teu único remédio”. No Laboratório de Medicina Molecular que ele dirige, o professor canadense explora com sua equipe há mais de 30 anos as moléculas dos alimentos e suas propriedades anticancerígenas.
A entrevista é de Sophie Bartczak e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 29-04-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
As pesquisas sobre os alimentos saudáveis são feitas em grande parte nos Estados Unidos ou no Canadá. Como você explica isso?
A epidemia da obesidade e da crise da malbouffe [ou junk food, em inglês, comida lixo, porcaria] afetou-nos bem antes de vocês [franceses] e os custos e os impactos são tão grandes sobre a nossa sociedade que elas exigem que os políticos deem respostas, como a sra. Obama, que fez disso uma parte importante da sua comunicação como primeira-dama. Em regiões como o Mississipi, a obesidade chega a 88%! No Canadá, metade do orçamento do Estado deve ser destinado à saúde. Assistimos a uma ruptura na transmissão dos conhecimentos culinários entre mães e filhas. Atualmente, a dona de casa americana conhece menos de oito receitas culinárias. Este deserto culinário foi preenchido pela indústria de alimentos e a onda de epidemias de saúde decorrentes desta comida lixo chega à Europa e inclusive à França. Fortalezas como Creta ou a ilha de Okinawa, modelos de uma alimentação saudável, são agora afetadas: a cultura das pizzas e dos [biscoitos] crackers invadiu a ilha japonesa em contato com as bases norte-americanas que ali estão instaladas.
Podemos nos curar com a alimentação?
Nós não testamos, até agora, alimentos em doenças, como se faz com medicamentos. Seria preciso usar os mesmos métodos de avaliação com o mesmo custo (300 a 400 milhões de euros para a colocação no mercado de um medicamento). Há pouca chance de que um produtor de brócolis rentabilize seu investimento… Ao contrário, no campo da prevenção, sabemos por cortes de estudos populacionais realizados com dezenas de milhares de pessoas que determinados alimentos reduzem os riscos de doenças ou aumentam as chances de sobrevivência após uma doença grave. Na cardiologia, por exemplo, um centro de Montreal acompanha pacientes vítimas de infarto: nós os fazemos reagir e estão caminhando rumo a uma dieta mediterrânea, reduzindo assim o risco de morte em 30%. O ideal é que após um câncer, se possa “prescrever” um regime anticâncer… Sabemos, por exemplo, que três porções semanais de couve e de brócolis aumentam a sobrevivência em 60% entre as pessoas que tiveram um câncer de bexiga.
Você diz que nunca é tarde demais para mudar a alimentação…
Perfeitamente. Muitos estudos mostraram que, mesmo após os 65 anos, se introduzirmos chá verde ou polifenóis alimentares (frutas vermelhas, chocolate, frutas cítricas, vinho tinto, maçãs, cebolas…), há um efeito de proteção e de redução do declínio cognitivo, especialmente. Um único alimento pode por si só inverter com ótimos resultados os parâmetros de saúde. Assim, uma colher de sopa por dia de semente de linhaça moída permite reduzir em 50% os marcadores moleculares da inflamação, isso em apenas um ou dois meses.
Doenças cardiovasculares, câncer, diabetes do tipo 2, doença de Alzheimer: como essas doenças são causadas pela alimentação?
Elas têm um denominador comum de inflamação crônica que cria um ambiente propício para o seu desenvolvimento. Nossa alimentação tornou-se pró-inflamatória ao alterar o equilíbrio entre o ômega 6 e o ômega 3: hoje, há seis vezes mais ômega 6 nos nossos pratos, enquanto que a ingestão de ômega 3 deve ser o equivalente. O xarope de milho e o óleo de milho utilizados pela indústria contribuem para esta prevalência de ômega 6 pró-inflamatório. Para compreender o impacto sobre o câncer, eu dou muitas vezes o exemplo de uma semente: conservada na geladeira, ele não cresce, mas colocada na terra sob luz e com água, ela cresce. O mesmo vale para os genes do câncer: a inflamação permite que eles se manifestem. De maneira simplista, devemos entender que quando se é gordo, se é “inflamado” via adipócitos, especialmente. Ora, a obesidade, a hipertensão e o colesterol – doenças relacionadas ao excesso de gorduras ruins – aumentam em 600% o risco da doença de Alzheimer e do declínio cognitivo.
Você conclama cada um a encarregar-se da sua saúde…
Cada um de nós é responsável pela sua saúde e a de seus filhos. Paremos de pensar que os nossos problemas são devidos à má sorte, à poluição ou à genética! São a nossa alimentação e a nossa maneira de viver que modulam nossas predisposições, e a maioria dos centenários deve a sua longevidade ao seu estilo de vida mais do que à sorte ou à hereditariedade. A prova disso é que filhos adotivos têm os mesmos índices de câncer do que os seus pais adotivos! Enfim, comer bem ou mal não é uma questão de renda, mas, deve-se, sobretudo, à desinformação e às campanhas de publicidade massivas das indústrias, que gastam bilhões por ano em publicidade e lobbies.
(EcoDebate, 08/05/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Se quiser saber mais sobre
o assunto, entre AQUI!
Adelidia Chiarelli
08.05.2014
Canadense, o professor Richard Béliveau é doutor em bioquímica, diretor científico do Laboratório de Medicina Molecular e da Cadeira em Tratamento do Câncer da Universidade de Quebec, em Montreal. Co-autor com Denis Gingras de A dieta anti-envelhecimento (Le Livre de Poche), ele explora há mais de 30 anos as propriedades anticancerígenas dos alimentos. Há pesquisas muito avançadas na América do Norte para doenças da civilização em plena expansão.
Doença de Alzheimer, câncer, diabetes, problemas cardiovasculares… Estas doenças da civilização poderiam ser evitadas com a mudança da nossa alimentação, explica o Dr. Béliveau, lembrando o famoso ditado de Hipócrates, há cerca de 2.500 anos: “Que teu alimento seja teu único remédio”. No Laboratório de Medicina Molecular que ele dirige, o professor canadense explora com sua equipe há mais de 30 anos as moléculas dos alimentos e suas propriedades anticancerígenas.
A entrevista é de Sophie Bartczak e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 29-04-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
As pesquisas sobre os alimentos saudáveis são feitas em grande parte nos Estados Unidos ou no Canadá. Como você explica isso?
A epidemia da obesidade e da crise da malbouffe [ou junk food, em inglês, comida lixo, porcaria] afetou-nos bem antes de vocês [franceses] e os custos e os impactos são tão grandes sobre a nossa sociedade que elas exigem que os políticos deem respostas, como a sra. Obama, que fez disso uma parte importante da sua comunicação como primeira-dama. Em regiões como o Mississipi, a obesidade chega a 88%! No Canadá, metade do orçamento do Estado deve ser destinado à saúde. Assistimos a uma ruptura na transmissão dos conhecimentos culinários entre mães e filhas. Atualmente, a dona de casa americana conhece menos de oito receitas culinárias. Este deserto culinário foi preenchido pela indústria de alimentos e a onda de epidemias de saúde decorrentes desta comida lixo chega à Europa e inclusive à França. Fortalezas como Creta ou a ilha de Okinawa, modelos de uma alimentação saudável, são agora afetadas: a cultura das pizzas e dos [biscoitos] crackers invadiu a ilha japonesa em contato com as bases norte-americanas que ali estão instaladas.
Podemos nos curar com a alimentação?
Nós não testamos, até agora, alimentos em doenças, como se faz com medicamentos. Seria preciso usar os mesmos métodos de avaliação com o mesmo custo (300 a 400 milhões de euros para a colocação no mercado de um medicamento). Há pouca chance de que um produtor de brócolis rentabilize seu investimento… Ao contrário, no campo da prevenção, sabemos por cortes de estudos populacionais realizados com dezenas de milhares de pessoas que determinados alimentos reduzem os riscos de doenças ou aumentam as chances de sobrevivência após uma doença grave. Na cardiologia, por exemplo, um centro de Montreal acompanha pacientes vítimas de infarto: nós os fazemos reagir e estão caminhando rumo a uma dieta mediterrânea, reduzindo assim o risco de morte em 30%. O ideal é que após um câncer, se possa “prescrever” um regime anticâncer… Sabemos, por exemplo, que três porções semanais de couve e de brócolis aumentam a sobrevivência em 60% entre as pessoas que tiveram um câncer de bexiga.
Você diz que nunca é tarde demais para mudar a alimentação…
Perfeitamente. Muitos estudos mostraram que, mesmo após os 65 anos, se introduzirmos chá verde ou polifenóis alimentares (frutas vermelhas, chocolate, frutas cítricas, vinho tinto, maçãs, cebolas…), há um efeito de proteção e de redução do declínio cognitivo, especialmente. Um único alimento pode por si só inverter com ótimos resultados os parâmetros de saúde. Assim, uma colher de sopa por dia de semente de linhaça moída permite reduzir em 50% os marcadores moleculares da inflamação, isso em apenas um ou dois meses.
Doenças cardiovasculares, câncer, diabetes do tipo 2, doença de Alzheimer: como essas doenças são causadas pela alimentação?
Elas têm um denominador comum de inflamação crônica que cria um ambiente propício para o seu desenvolvimento. Nossa alimentação tornou-se pró-inflamatória ao alterar o equilíbrio entre o ômega 6 e o ômega 3: hoje, há seis vezes mais ômega 6 nos nossos pratos, enquanto que a ingestão de ômega 3 deve ser o equivalente. O xarope de milho e o óleo de milho utilizados pela indústria contribuem para esta prevalência de ômega 6 pró-inflamatório. Para compreender o impacto sobre o câncer, eu dou muitas vezes o exemplo de uma semente: conservada na geladeira, ele não cresce, mas colocada na terra sob luz e com água, ela cresce. O mesmo vale para os genes do câncer: a inflamação permite que eles se manifestem. De maneira simplista, devemos entender que quando se é gordo, se é “inflamado” via adipócitos, especialmente. Ora, a obesidade, a hipertensão e o colesterol – doenças relacionadas ao excesso de gorduras ruins – aumentam em 600% o risco da doença de Alzheimer e do declínio cognitivo.
Você conclama cada um a encarregar-se da sua saúde…
Cada um de nós é responsável pela sua saúde e a de seus filhos. Paremos de pensar que os nossos problemas são devidos à má sorte, à poluição ou à genética! São a nossa alimentação e a nossa maneira de viver que modulam nossas predisposições, e a maioria dos centenários deve a sua longevidade ao seu estilo de vida mais do que à sorte ou à hereditariedade. A prova disso é que filhos adotivos têm os mesmos índices de câncer do que os seus pais adotivos! Enfim, comer bem ou mal não é uma questão de renda, mas, deve-se, sobretudo, à desinformação e às campanhas de publicidade massivas das indústrias, que gastam bilhões por ano em publicidade e lobbies.
(EcoDebate, 08/05/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Se quiser saber mais sobre
o assunto, entre AQUI!
Adelidia Chiarelli