terça-feira, 8 de julho de 2014
Sobre Zúñiga, Neymar e “macacos”
Via El País
Por Eliane Brum
07.06.2014
Os xingamentos ao colombiano que tirou da Copa a estrela da seleção revelam o Brasil em que a abolição da escravatura jamais foi completada
O zagueiro Juan Camilo Zúñiga entrou bruto com o joelho nas costas de Neymar. Era um jogo duro e a seleção brasileira também já tinha protagonizado entradas fortes sobre membros adversários. De lado a lado, se acertava mais do que a bola, como não é raro acontecer em partidas decisivas. Se pode criticar a arbitragem, reivindicar que a Fifa dê uma punição ao jogador colombiano, sentir fundo a tragédia de Neymar, que passa a ser a de um país inteiro. O que não deveria poder é o que aconteceu na sequência. Pelas redes sociais, brasileiros chamaram Zúñiga de “preto safado”, pediram sua morte e xingaram sua filha pequena de “puta”. Nos últimos anos, vários jogadores brasileiros foram chamados de “macacos” por torcidas de outras nacionalidades. Na sexta-feira (4), eram brasileiros aqueles que, na internet, colaram num colombiano a expressão racista.
Não deveria acontecer, mas aconteceu. E aconteceu no dia em que os capitães dos times que disputaram uma vaga para a semifinal leram um manifesto da campanha contra o racismo: “Rejeitamos qualquer tipo de discriminação de raça, orientação sexual, origem ou religião. Através do poder do futebol, podemos ajudar e livrar o nosso esporte e a nossa sociedade do racismo. Assumimos o compromisso de perseguir esse objetivo e contamos com você para nos ajudar nesta luta". Depois do hino, brasileiros e colombianos posaram para fotógrafos e cinegrafistas com uma faixa: “Say no to racism” (“Diga não ao racismo”).
E então a jogada bruta do campo expôs a brutalidade infinitamente maior fora do campo, aquela que trespassa a sociedade brasileira há séculos – e atravessa o futebol que encantou o mundo. O futebol é fascinante também porque, ao mesmo tempo em que suspende as tensões ao criar sua própria linguagem, as revela pela mesma razão. De repente, a “Copa das Copas” expôs o Brasil dos linchamentos, o Brasil que botou a polícia militar para barrar a entrada de jovens das periferias nos shoppings na virada do ano, o Brasil em que um adolescente negro foi preso a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta.
Continua!
Por Eliane Brum
07.06.2014
Os xingamentos ao colombiano que tirou da Copa a estrela da seleção revelam o Brasil em que a abolição da escravatura jamais foi completada
O zagueiro Juan Camilo Zúñiga entrou bruto com o joelho nas costas de Neymar. Era um jogo duro e a seleção brasileira também já tinha protagonizado entradas fortes sobre membros adversários. De lado a lado, se acertava mais do que a bola, como não é raro acontecer em partidas decisivas. Se pode criticar a arbitragem, reivindicar que a Fifa dê uma punição ao jogador colombiano, sentir fundo a tragédia de Neymar, que passa a ser a de um país inteiro. O que não deveria poder é o que aconteceu na sequência. Pelas redes sociais, brasileiros chamaram Zúñiga de “preto safado”, pediram sua morte e xingaram sua filha pequena de “puta”. Nos últimos anos, vários jogadores brasileiros foram chamados de “macacos” por torcidas de outras nacionalidades. Na sexta-feira (4), eram brasileiros aqueles que, na internet, colaram num colombiano a expressão racista.
Não deveria acontecer, mas aconteceu. E aconteceu no dia em que os capitães dos times que disputaram uma vaga para a semifinal leram um manifesto da campanha contra o racismo: “Rejeitamos qualquer tipo de discriminação de raça, orientação sexual, origem ou religião. Através do poder do futebol, podemos ajudar e livrar o nosso esporte e a nossa sociedade do racismo. Assumimos o compromisso de perseguir esse objetivo e contamos com você para nos ajudar nesta luta". Depois do hino, brasileiros e colombianos posaram para fotógrafos e cinegrafistas com uma faixa: “Say no to racism” (“Diga não ao racismo”).
E então a jogada bruta do campo expôs a brutalidade infinitamente maior fora do campo, aquela que trespassa a sociedade brasileira há séculos – e atravessa o futebol que encantou o mundo. O futebol é fascinante também porque, ao mesmo tempo em que suspende as tensões ao criar sua própria linguagem, as revela pela mesma razão. De repente, a “Copa das Copas” expôs o Brasil dos linchamentos, o Brasil que botou a polícia militar para barrar a entrada de jovens das periferias nos shoppings na virada do ano, o Brasil em que um adolescente negro foi preso a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta.
Continua!