Carta Maior
31.01.2016
A Pinacoteca teve, por longo tempo, suas paredes destinadas somente a autores brancos. E não por falta de pintores negros extremamente talentos.
Hélio Menezes *
A exposição Territórios: artistas afrodescendentes no acervo
da Pinacoteca, aberta em dezembro do ano passado e em cartaz até 17 de abril,
faz parte das celebrações dos 110 anos da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A
mostra chega em boa hora, reunindo obras de artistas negros desde o século 18,
como Mestre Valentim (autor das primeiras estátuas fundidas no Brasil, Ninfa
Eco e Caçador Narciso, cujas réplicas, à entrada da exposição, dão as boas-vindas
aos visitantes), a de nomes relevantes do cenário contemporâneo, como Rommulo
Vieira Conceição.
Sua montagem, um
convite a revisitarmos a história e composição do acervo dessa que é uma das
mais importantes instituições museológicas do país, parece oferecer uma
resposta ainda tímida, mas não por isso menos importante, à provocativa
pergunta de Joel Rufino: “o que sucederá se um grupo de pesquisadores recensear
criteriosamente a produção da mão, do cérebro e da alma negras na construção da
civilização brasileira, exibindo como negro quem negro foi?”. Elaborada à época
da pioneira A mão afro-brasileira, exposição à qual Territórios faz hoje eco,
27 anos depois, o questionamento do renomado historiador continua atual,
apontando para a urgente e necessária reflexão sobre a presença do negro no
circuito das artes nacionais.
Refiro-me aqui, é
necessário salientar, não à presença passiva em telas e esculturas, de fato
abundantes - d’A Negra, de Tarsila do Amaral, a O Mestiço, de Cândido
Portinari, são múltiplos os exemplos na história da arte brasileira de imagens
sobre o negro, podendo variar do exotismo à estereotipia, ora pendendo ao
excesso, ora à falta, com maior ou menor apelo político e preocupações
estetizantes. Tal repertório iconográfico, diverso na forma e no conteúdo, é
contudo concordante em sua autoria majoritariamente adventícia: imagens
elaboradas pelo olhar do retratante, raras vezes do retratado. Refiro-me,
antes, à sua presença ativa, como sujeitos criadores e criativos, reconhecidos
por suas qualidades técnicas e inventividade artística. Representatividade para
além da representação, em suma.
Continua.