sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O lado negro da arte: sobre 'Territórios - artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca' - Hélio Menezes

Carta Maior
31.01.2016

A Pinacoteca teve, por longo tempo, suas paredes destinadas somente a autores brancos. E não por falta de pintores negros extremamente talentos.

Hélio Menezes *

A exposição Territórios: artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca, aberta em dezembro do ano passado e em cartaz até 17 de abril, faz parte das celebrações dos 110 anos da Pinacoteca do Estado de São Paulo. A mostra chega em boa hora, reunindo obras de artistas negros desde o século 18, como Mestre Valentim (autor das primeiras estátuas fundidas no Brasil, Ninfa Eco e Caçador Narciso, cujas réplicas, à entrada da exposição, dão as boas-vindas aos visitantes), a de nomes relevantes do cenário contemporâneo, como Rommulo Vieira Conceição.

Sua montagem, um convite a revisitarmos a história e composição do acervo dessa que é uma das mais importantes instituições museológicas do país, parece oferecer uma resposta ainda tímida, mas não por isso menos importante, à provocativa pergunta de Joel Rufino: “o que sucederá se um grupo de pesquisadores recensear criteriosamente a produção da mão, do cérebro e da alma negras na construção da civilização brasileira, exibindo como negro quem negro foi?”. Elaborada à época da pioneira A mão afro-brasileira, exposição à qual Territórios faz hoje eco, 27 anos depois, o questionamento do renomado historiador continua atual, apontando para a urgente e necessária reflexão sobre a presença do negro no circuito das artes nacionais.

 Refiro-me aqui, é necessário salientar, não à presença passiva em telas e esculturas, de fato abundantes - d’A Negra, de Tarsila do Amaral, a O Mestiço, de Cândido Portinari, são múltiplos os exemplos na história da arte brasileira de imagens sobre o negro, podendo variar do exotismo à estereotipia, ora pendendo ao excesso, ora à falta, com maior ou menor apelo político e preocupações estetizantes. Tal repertório iconográfico, diverso na forma e no conteúdo, é contudo concordante em sua autoria majoritariamente adventícia: imagens elaboradas pelo olhar do retratante, raras vezes do retratado. Refiro-me, antes, à sua presença ativa, como sujeitos criadores e criativos, reconhecidos por suas qualidades técnicas e inventividade artística. Representatividade para além da representação, em suma.

Continua.