quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Zika: ‘foco do controle da doença não deve ser apenas o mosquito’ - Lia Giraldo da Silva Augusto

EcoDebate
23.02.2016

O Brasil vive um clima de guerra contra o mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya – o Aedes aegypti – e está perdendo a batalha. Segundo a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE), pesquisadora aposentada da Fiocruz e membro do GT Saúde e Ambiente da Abrasco, Lia Giraldo da Silva Augusto, o país não tem sido efetivo nos programas de controle do mosquito.

Em entrevista para o Informe ENSP, Lia Giraldo, fala a respeito do posicionamento da Abrasco contra o uso contínuo de larvicidas e fumacês que, de acordo com ela, colaboram para aumentar a resistência do mosquito contra tais produtos. “O foco do controle da doença não deve ser o mosquito, mas agir sobre as condições que possibilitam a existência dos criadouros do vetor”.

Ainda segundo a pesquisadora, as desigualdades sociais, em razão da falta de políticas públicas, com um padrão de consumo gerador de resíduos sólidos, deterioração ambiental, injustiças sociais e também pela ignorância, falta de cidadania, de consciência sanitária e ecológica, são fatores que colaboram para a incidência do mosquito, mostrando que o país necessita de políticas mais incisivas nesse combate.

Confira a íntegra da entrevista.

Informe ENSP: A Nota Técnica da Abrasco, que traz a visão de diversos especialistas da Saúde Coletiva, critica fortemente o atual modelo de combate ao Aedes aegypti, informando que apenas o combate ao mosquito em si não é a estratégia mais eficaz. Onde o Estado está errando, uma vez que temos sanitaristas e pesquisadores buscando soluções mais efetivas?

Lia Giraldo: Como a Nota Técnica da Abraso explica, há 30 anos o modelo de controle do vetor da dengue é centrado no mosquito; primeiramente, com a ideia de que seria possível erradica-lo e,. depois, de redução da densidade de sua população. Acreditava-se que o mosquito tinha sido erradicado na década de 1950 e, por isso, seria possível repetir essa façanha. Ocorre que, desde aquela década, o Brasil rapidamente deixou de ser um país rural. Hoje, cerca de 85% da população vive nas cidades. Esse processo ocorreu sem políticas de infraestrutura, saneamento, habitação e com forte desigualdade social. OAedes aegypti adaptou-se muito bem a essas condições domiciliares, peridomiciliares (área existente ao redor de residências, num raio não superior a cem metros) e de degradação urbana que ofertam um ambiente favorável à intensa ovodeposição, que é a estratégia de sobrevivência desse mosquito.

O uso continuado de larvicidas e adulticidas não mostram efetividade, mesmo com todos os ajustes já realizados nas edições do programa de controle da dengue. O Aedes aegypti faz mecanismos de resistência aos biocidas utilizados, tornando o recurso gasto na compra desses produtos um desperdício de dinheiro que seria útil para outras ações mais efetivas. É por isso que dizemos que, além de inócuo, é perdulário. Mas também é perigoso esse modelo, porque expõe as pessoas a produtos tóxicos. Não se sabe como esses produtos afetam o sistema imune das pessoas a eles expostas. Os efeitos colaterais do uso desses biocidas não são conhecidos e nem estudados. Mas, por exemplo, o malathion, potencialmente cancerígeno para humanos, de acordo com a própria International Agency for Research on Cancer (IARC/OMS), continua a ser utilizado diluído em água em concentração de 30% em nebulizações. Os larvicidas juvenoides que afetam o desenvolvimento da larva, impedindo que chegue à idade adulta, têm efeito teratogênico para os insetos alvo e é utilizado em água de beber das pessoas tirando-lhe a potabilidade. O que faz os profissionais manterem esse modelo é o princípio da autoridade, é a crença de que a ciência é neutra, também porque têm uma forma de pensar fragmentada e, obviamente, é uma hegemonia que não abre a discussão, é um modelo autoritário, vertical e centralizado.

Continua.