domingo, 7 de junho de 2009
Essa viagem para o vazio
AIR FRANCE, VOO 447
Via Observatório da Imprensa - Por Eugênio Bucci - 05.06.2009
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 4/6/2009; intertítulos do OI
Para tudo na vida há um poema de Drummond. Para quase tudo na morte, também. Para um desastre aéreo, por exemplo, lá está ele, Carlos Drummond de Andrade, com as palavras necessárias:
"A morte dispôs poltronas para o conforto/ da espera. Aqui se encontram/ os que vão morrer e não sabem./ (...)/ Sinto-me natural a milhares de metros de altura,/ nem ave nem mito,/ guardo consciência de meus poderes,/ e sem mistificação eu voo,/ sou um corpo voante e conservo bolsos, relógios, unhas,/ ligado à terra pela memória/ e pelo costume dos músculos,/ carne em breve explodindo./ (...)/ Ó brancura, serenidade sob a violência/ da morte sem aviso prévio,/ cautelosa, não obstante irreprimível/ aproximação de um perigo atmosférico/ golpe vibrado no ar, lâmina de vento/ no pescoço, raio/ choque estrondo fulguração/ rolamos pulverizados/ caio verticalmente e me transformo em notícia."
Os versos de "Morte no avião" compareceram, ainda que em silêncio, ao noticiário da semana. Sempre é assim quando somos sobressaltados por um acidente aéreo de proporções tão graves como o do voo 447 da Air France. A gente quase não fala desses versos, talvez para não provocar mais dor sobre a dor já instalada, mas eles estão ali, presentes, doendo. O Airbus A330-200, que sumiu do mapa às 23h14 do domingo, quando sobrevoava o Atlântico, não pousou em Paris, como programado, mas nas páginas dos jornais. Cada uma das 228 pessoas a bordo "caiu verticalmente e se transformou em notícia". Exatamente como Drummond avisa. Continua
Via Observatório da Imprensa - Por Eugênio Bucci - 05.06.2009
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 4/6/2009; intertítulos do OI
Para tudo na vida há um poema de Drummond. Para quase tudo na morte, também. Para um desastre aéreo, por exemplo, lá está ele, Carlos Drummond de Andrade, com as palavras necessárias:
"A morte dispôs poltronas para o conforto/ da espera. Aqui se encontram/ os que vão morrer e não sabem./ (...)/ Sinto-me natural a milhares de metros de altura,/ nem ave nem mito,/ guardo consciência de meus poderes,/ e sem mistificação eu voo,/ sou um corpo voante e conservo bolsos, relógios, unhas,/ ligado à terra pela memória/ e pelo costume dos músculos,/ carne em breve explodindo./ (...)/ Ó brancura, serenidade sob a violência/ da morte sem aviso prévio,/ cautelosa, não obstante irreprimível/ aproximação de um perigo atmosférico/ golpe vibrado no ar, lâmina de vento/ no pescoço, raio/ choque estrondo fulguração/ rolamos pulverizados/ caio verticalmente e me transformo em notícia."
Os versos de "Morte no avião" compareceram, ainda que em silêncio, ao noticiário da semana. Sempre é assim quando somos sobressaltados por um acidente aéreo de proporções tão graves como o do voo 447 da Air France. A gente quase não fala desses versos, talvez para não provocar mais dor sobre a dor já instalada, mas eles estão ali, presentes, doendo. O Airbus A330-200, que sumiu do mapa às 23h14 do domingo, quando sobrevoava o Atlântico, não pousou em Paris, como programado, mas nas páginas dos jornais. Cada uma das 228 pessoas a bordo "caiu verticalmente e se transformou em notícia". Exatamente como Drummond avisa. Continua