domingo, 27 de dezembro de 2009

Freud para sempre (LACAN ENTRE-VISTO)

Via Psicorama


Entrevista a Emilio Granzotto para o jornal italiano Panorama, em Roma, dia 21/11/1974


O mal estar da civilização moderna. O esforço de viver. A palavra como cura da neurose. A angústia dos cientistas. O psicanalista vivo mais paradoxal expõe a sua doutrina e as razões de sua fidelidade ao mestre.

Jacques Lacan, 73 anos, parisiense, psicanalista. Apóstolo de Sigmund Freud. Define-se “freudiano puro”, fundou em Paris uma escola Freudiana, há vinte anos re-propõe incansavelmente o retorno às doutrinas do mestre e à sua re-leitura “em sentido literal”. Considerado herético pela psicanálise oficial que o acusa de histrionismo (Emilio Servadio, presidente do Centro Psicanalítico de Roma, o definiu como um “profeta de opereta”) e o expulsou de todos os seus Institutos e da Sociedade.

Venerado como uma divindade pelos seus seguidores, para os quais é “um gênio que se comunica com o mesmo brilho dos relâmpagos”. Politicamente de esquerda, próximo ao grupo Marx-maoísta que dirige a revista Tel Quel. Considerado Pai Espiritual por todos os gauchistes franceses. Personagem lendário em tom oracular sobre o qual estende seus escritos, incompreensíveis para os que não sejam íntimos dos mistérios da psicanálise, definida, em um de seus escritos, como “nada além de um artifício do qual Freud deu os constituintes alegando que o seu total engloba a noção de tais constituintes”.

As suas conferências e as aulas das quartas-feiras na Faculdade de Direito da Sorbonne são assistidas por multidões de ouvintes, apesar da linguagem usada ser, igualmente à afirmação acima, obscura e confusa.. Ele mesmo diz: “eu me expresso por meias palavras, é notório. E no final, as pessoas não entenderam uma vírgula.”

Mescla palavras doutíssimas (homeostase, anamorfose, afânise) com neologismos inventados “no calor da hora” (o mais célebre é parlantêtre, ou seja, falanteser, ou então, ser falante, ou ainda, o homem.) Usa indiferentemente termos gregos ou ainda eufemismos bonachões no limite do ridículo; o falo, protagonista e Deus feroz da religião psicanalítica, na linguagem de Lacan se transforma simplesmente e, ironicamente, em quéquette.

Pequeno, cabelos grisalhos de corte escovinha e sempre cuidadosamente penteados, com uma vaga semelhança, da qual não lamenta, a Jean Gabin, este monstro sagrado da cultura francesa, se veste sempre como um dandy: camisa branca em tecido bordado, fechada até o colarinho por um laçarote abotoado à moda dos padres, paletós de veludo cor ameixa ou damasco, com jogos marchetados entre o brilhante e o fosco.

Pelo consultório da Rue de Lille 5, com canapé Impero, onde Lacan recebe seus clientes, já passou toda a Paris que conta. Lacan se auto-proclama estruturalista, está convencido de que a lingüística e a psicanálise são irmãs, e que os analistas “deveriam ter uma cultura sociológica, lingüística e metafísica”. Os seus escritos foram reunidos em um volume chamado Écrits, escritos, com dezenas de milhares de cópias vendidas.

A Lacan, Panorama pediu que falasse da psicanálise, dos seus métodos, na técnica e na doutrina. Continua