sábado, 30 de novembro de 2013

FMC 2013: Qualidade de vida e envelhecimento: é possível conciliá-los?


JC e-mail 4865, de 29 de novembro de 2013
FMC 2013: Qualidade de vida e envelhecimento: é possível conciliá-los?


Sessão temática durante FMC tratou do desafio da medicina na terceira idade

"A ideia de vida eterna não é muito atraente", brincou o professor Sérgio Pena durante sua participação no Fórum Mundial de Ciência 2013. Especialista em diversidade genômica, ele diz não enxergar isso como empecilho para que um envelhecimento livre de doenças seja almejado. Com mediação de Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Pena participou de sessão temática que tratou do desafio da medicina na terceira idade e também contou com as presenças de Fernando Lavadenz (Bolívia), Manfred Hallschmid (Alemanha) e Jiarui Wu (China). Ciente de que o envelhecimento da população suscita problemas das mais variadas espécies, Nader defende uma abordagem multidisciplinar na solução da questão e afirma: "No Brasil, costumamos dizer que envelhecer é ficar mais sábio, mas nós queremos ficar mais sábios com maior qualidade de vida."

Dentre as inúmeras questões que envolvem a prática médica em idade avançada, o estudo dos genomas surge como alternativa para tornar mais palpável a ideia de uma medicina precisa e personalizada, cujo pilar mais sólido seria a prevenção. E é essa a linha de pesquisas seguida por Sérgio. Ex-presidente do Programa Latino-Americano do Genoma Humano, ele relatou as possibilidades desencadeadas pelo seqüenciamento genômico e, bem humorado, mostrou aos presentes um aplicativo para iPhones e iPads - "MyGenome" - capaz de seqüenciar o genoma de cada usuário. De acordo com Pena, a técnica de seqüenciamento de genomas foi desenvolvida para prevenir doenças.

"No entanto", alerta, "o riscograma não é uma garantia completa de que o indivíduo jamais terá problemas." Em sua visão, os estudos na área ainda não estão suficientemente avançados e conhecer um genoma não significa, necessariamente, a eficácia completa na prevenção de males que costumam acompanhar o processo de envelhecimento humano. O campo, portanto, lida com soluções de médio e longo prazo, mas conta com grandes possibilidades de crescimento. "A ciência já tem todas as ferramentas necessárias para implementar esse tipo de medicina. Espera-se que, nas próximas décadas, as pessoas possam envelhecer livres de doenças. O seqüenciamento genômico pessoal já é uma realidade", finaliza o conferencista.

Atendo sua análise principalmente à saúde de idosos em países da América Latina, o boliviano Fernando Lavadenz afirmou que, no ano de 2035, essas nações terão completado suas transições demográficas. A partir de gráficos comparativos realizados ao longo do tempo, ele mostrou: o número de nascimentos caiu e a expectativa de vida, por sua vez, sofreu um aumento considerável - cerca de 22 anos desde 1980. "A América Latina está ficando velha", alertou o especialista sênior do Banco Mundial. Ainda de acordo com os dados trazidos por Lavadenz, as mulheres estão morrendo mais tarde do que os homens, alcançando uma média de sete anos de diferença na região analisada. Essa disparidade, que talvez seja fruto de variáveis como a violência, é maior do que a observada em outros países.  

Em seguida o palestrante passou a dois tópicos com graves implicações sociais para a população. "A idade, a pobreza e a doença estão vindo em um pacote", sintetizou. Segundo Fernando, menos de 30% dos aposentados na América Latina recebem algum tipo de pensão e as ocorrências de doenças não transmissíveis - como diabetes mellitus, lombalgia e as doenças isquêmicas do coração, cerebrovasculares e pulmonares obstrutivas crônicas - estão aumentando significativamente.

Apesar de todos esses complicadores, Lavadenz acredita que as coisas ainda podem mudar. "Nós esperamos um envelhecimento veloz, mas ainda não se trata de uma bomba-relógio. Temos de 10 a 20 anos para nos prepararmos para lidar com a situação", afirma. Mas é preciso agir. Nesse sentido, ele passou ao caso específico de um país que apostou suas fichas na redução de fatores de risco para a prevenção de doenças não transmissíveis: a Argentina. Após diagnosticarem que a média de consumo de sal de seus habitantes chegava a 12 gramas por dia, quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é apenas cinco, cientistas argentinos chegaram à conclusão de que melhorar esse panorama não exigiria medidas drásticas. "Reduzir três gramas de sal da dieta diária dos argentinos significaria prevenir aproximadamente 6000 mortes por doenças cardiovasculares e derrames por ano", conta. Segundo Fernando, estudiosos também identificaram o pão como fonte mais expressiva dessa quantidade excessiva de sal.

Outras patologias bastante comuns em idosos são o câncer e a demência. "Doenças crônicas e degenerativas fazem parte de nossas vidas, então o que podemos fazer a respeito disso?", indagou o vice-presidente da Associação Chinesa de Pesquisa Geriátrica. Respondendo à sua própria pergunta, Jiarui Wu postulou que a prevenção é uma eficaz solução no combate ao câncer. De acordo com ele, cada dólar investido em práticas preventivas economiza seis dólares utilizados no tratamento de um paciente. Para ilustrar seu pensamento, o palestrante citou o caso de Angelina Jolie. Em função de características genéticas, a atriz tinha 87% de chances de desenvolver câncer de mama e, por esse motivo, optou por se submeter a uma intervenção cirúrgica para a retirada dos seios.

O alemão Manfred Hallshmid, por sua vez, tratou da demência como uma realidade que acompanha a velhice. Psicólogo e professor da Universidade de Tübingen, seus principais temas de estudo são a ingestão de comida e peso corporal, a interação entre os fatores nutricionais e cognitivos e a relação entre o sono e o metabolismo. Elogiando a fala de Hallshmid, a mediadora da sessão disse preferir o termo perda de memória. "É mais elegante", brincou. Para Nader, a perda de memória muitas vezes advém da falta de estímulos. Em razão das dificuldades de visão e audição, a pessoa mais velha vai se isolando e, com o isolamento, ela perde a cognição. Entusiasmada em relação aos resultados das discussões, ela avaliou: "Isso é um fato: o envelhecimento da população está se aproximando e, com a sua chegada, a política da vida precisa ser posta em pauta".

(Ana Siqueira para Notícias da ABC)