quarta-feira, 6 de novembro de 2013

'Só dinheiro não garante ensino de qualidade', diz economista professor de Harvard


JC e-mail 4849, de 05 de novembro de 2013
'Só dinheiro não garante ensino de qualidade', diz economista professor de Harvard


Para Richard Murnane, se professores não dispõem do conhecimento necessário, dar incentivos financeiros a eles não adianta

Para o economista Richard Murnane, professor da Universidade de Harvard, melhorar a Educação não é uma questão apenas de ter dinheiro, mas de saber como usá-lo. Se os professores não dispõem do conhecimento necessário, dar incentivos financeiros a eles não vai adiantar, diz. Murnane, que esteve no Brasil para um seminário do Instituto Alfa e Beto, e é coautor de um livro sobre desigualdade de renda e educação, afirma que famílias mais ricas investem mais nos filhos.

O GLOBO - Uma pesquisa sua e de Greg Duncan mostra que as diferenças nos resultados de Matemática e leitura de crianças de baixa renda e de renda alta nos Estados Unidos são maiores hoje que antigamente. Por quê?
RICHARD MURNANE - Isso é correto, mas não significa que os resultados das crianças de baixa renda tenham caído. Eles melhoraram, modestamente. O problema é que as conquistas dos alunos de famílias de classes mais altas melhoraram muito mais. A explicação está em parte relacionada às consequências das crescentes desigualdades de renda nos Estados Unidos. Todas as famílias fazem o seu melhor para cuidar dos filhos. O que as de renda alta perceberam é que a melhor maneira de cuidar dos filhos é investir na educação e nas habilidades deles. Elas apostaram em acampamentos de verão, em tutorias e em uma variedade enorme de atividades para aumentar as chances das suas crianças. E se mudaram para vizinhanças em que outras famílias também têm alta renda. As de baixa renda não conseguiram fazer estes investimentos.

Qual é o tamanho das diferenças de resultados entre crianças de baixa e de alta renda?
Cerca de 5% dos alunos mais pobres que eram adolescentes em meados da década de 1970 se formaram em uma universidade, contra 36% dos que estavam entre os 25% mais ricos na mesma época. Em meados de 1990, o percentual de crianças de baixa renda que se formou na universidade foi de 9%, um aumento modesto de 4 pontos percentuais. Em contraste, 54% das crianças mais ricas se formaram, um aumento de 18 pontos percentuais.

Devemos contar com as escolas para tornar a igualdade de oportunidades uma realidade?
Pelo menos nos Estados Unidos, as escolas têm tentado fazer isso. Mas ficou mais difícil com o aumento da segregação residencial por renda. Hoje, crianças de baixa renda têm mais tendência a frequentar escolas com outras crianças de baixa renda do que acontecia 30 anos atrás. Isso torna o trabalho de criar uma educação de alta qualidade muito mais difícil.

Por quê?
Quando crianças de famílias de baixa renda começam no Jardim de Infância, elas já estão muito atrás em termos de variedade de habilidades. E mais sujeitas a problemas de comportamento. Isso foi muito documentado nos Estados Unidos. Uma criança de baixa renda tem menos chances de ajudar seus colegas a aprender e mais chances de apresentar problemas de comportamento que atrapalhem o bom andamento da aula. Além disso, neste país, crianças de baixa renda mudam muito mais de moradia e de escola. Uma pesquisa recente mostrou que escolas com muita mobilidade estudantil tiveram menos sucesso nas tentativas de aumentar as conquistas dos alunos. E não apenas as dos que se mudaram, mas também as dos que tinham residência estável. O recurso mais precioso do professor é o tempo de aula. Se uma criança nova entra na classe a cada duas semanas, ele vai perder tempo, porque tem de ensinar as normas da sala de aula e de comportamento e descobrir as habilidades de leitura e de Matemática deste aluno. Tem também a qualidade do professor. As condições de trabalho são mais difíceis em escolas com muitas crianças de baixa renda. É mais complicado atrair professores habilidosos e retê-los nestas instituições. Nos Estados Unidos, a maioria dos professores seniores tende a se mudar para escolas frequentadas por crianças de renda melhor. Deixam as escolas com crianças pobres para docentes relativamente novatos.

Como aumentos na renda familiar impactam as oportunidades educacionais de crianças de baixa renda?
Dinheiro por si só não é a maneira de pensar a questão. Os pontos-chave são as experiências que os alunos têm diariamente; elas precisam mudar. Muitas vezes os professores não mudam a maneira como ensinam. Se as experiências dos alunos não são tão diferentes, eles não aprendem mais. Eu não estou dizendo que dinheiro não importa; ele importa se for bem utilizado. O realmente necessário é ter instrutores melhores. Gastar mais dinheiro comprando livros não vai automaticamente levar a um ensino melhor. O desafio é melhorar a instrução, e isso pode precisar de recursos extras. Mas prover recursos extras não faz isso acontecer automaticamente.

Então, embora a desigualdade de renda leve a resultados educacionais ruins, dinheiro não é necessariamente a solução para o problema....
Os recursos devem seguir, não guiar. É preciso começar desenvolvendo um plano concreto para melhorar o aprendizado dos alunos. E como deve ser este plano? Depende do local e da natureza da situação. Por exemplo: se o problema é o fato de os alunos não estarem indo regularmente à escola, isso pode estar acontecendo porque as instituições são distantes ou porque os pais precisam que eles trabalhem ou tomem cuidado dos irmãos mais novos. Se o problema é as crianças não estarem matriculadas ou não frequentarem as aulas regularmente, então a política inicial deve ser diminuir o custo das famílias de baixa renda para mantê-las na escola. Há muitos exemplos de políticas, em diversos países, que diminuem o custo de ter crianças frequentando escolas e levaram ao aumento de taxas de matrícula e frequência entre as de renda baixa.

O senhor pode citar exemplos?
Muitos países investiram em medidas que fizeram as escolas distantes ficarem mais próximas das moradias das crianças. Um estudo recente na Índia mostrou uma política de dar bicicletas aos alunos. Em outro lugar, alunas não estavam indo às escolas porque não havia banheiros limpos. Então, oferecer boas condições sanitárias para elas foi importante. O Brasil tem há anos uma política de transferência de renda, o Bolsa Família, que auxilia famílias pobres com a condição de que elas mandem os filhos para a escola. Todas estas estratégias se provaram eficientes para aumentar o número de crianças estudando. Se o problema é falta de frequência dos professores, dar um incentivo que seja atrelado à presença regular pode fazer uma real diferença. Outro problema é a falta de conhecimento e de habilidade dos professores para ensinar com eficácia. Neste caso, os incentivos, sozinhos, não são boa estratégia. O desafio talvez seja como capacitá-los melhor. E esta é uma estratégia de longo prazo, que pode incluir a criação de incentivos para atrair adultos mais bem educados para o magistério e o ensino de técnicas que ajudem os atuais docentes a lecionar.

Como deve ser o treinamento dos professores?
Depende das habilidades deles. Nas partes mais pobres do Brasil, onde os professores têm pouca educação formal, uma solução passa por prover currículos estruturados com instruções muito detalhadas sobre o que ensinar e como, demonstrando como fazê-lo. Em situações em que os professores têm mais conhecimento e só precisam melhorar suas habilidades, diferentes tipos de desenvolvimento profissional e treinamento são necessários. Mas há casos, muito comuns nos Estados Unidos, em que alunos e professores vão à escola, os professores se esforçam ao máximo e têm algumas habilidades, mas existe uma grande necessidade de coordenar o ensino, de maneira que ele pareça o mesmo em todas as salas de aula de todas as instituições. Isso é difícil. E requer a reorganização da escola, que é uma comunidade na qual pessoas continuam aprendendo.

O que os países em desenvolvimento estão fazendo de bom?
A Coreia do Sul, que agora é um país relativamente rico, mas não o era em 1960, investiu pesadamente em seu sistema educacional por décadas. E isso fez diferença. A Finlândia agiu da mesma forma. Alguns países com baixas taxas de matrícula no ensino secundário investiram em dar a famílias de baixa renda subsídios para matricular seus filhos neste segmento. Na Colômbia, esta política foi eficaz em melhorar os resultados de estudantes de baixa renda.

O senhor estudou o Brasil e o caso da Bolsa Família?
Detalhadamente, não. Há uma necessidade em muitos países, incluindo o Brasil, de pesquisas melhores para sabermos se as políticas adotadas fizeram diferença.

Jovens de renda maior têm mais vantagens que os de baixa renda para desempenhar funções que não podem ser executadas por computadores?
A qualidade da educação faz uma grande diferença. O tipo mais fácil de prover é o de habilidades básicas, como ler suficientemente bem para seguir direções, ser capaz de fazer contas básicas e saber o básico de informática. Em contraste, empregos que não estão sendo computadorizados requerem a capacidade de solucionar problemas, de trabalhar em grupo e de aprender coisas novas rapidamente.

Que políticas o senhor sugere para ajudar estudantes de baixa renda a terem sucesso nesta força de trabalho cheia de robôs?
Educação de alta qualidade é importante, assim como boas políticas de saúde e bons suportes para famílias de baixa renda, para que as crianças cheguem às escolas bem alimentadas e saudáveis. É preciso ir além de ensinar apenas a ler e seguir instruções. Notamos que educação de qualidade é ainda mais importante hoje que há 20 anos para prever o sucesso no mercado de trabalho, por causa das mudanças técnicas.

(Marcelle Ribeiro/O Globo)