terça-feira, 10 de novembro de 2009
Geisy foi expulsa pelos filhos da revolução sexual?
Via Mulher 7X7 - Por Ruth de Aquino - 09.11.2009
A expulsão da estudante Geisy Villa Nova Arruda, 20 anos, pela Uniban, por “não vestir roupas condizentes com uma universidade” e por seu “comportamento provocativo”, é uma decisão tão totalitária, imprópria e absurda que, depois de escrever um post e uma coluna sobre o caso, achei melhor dar voz hoje a uma mulher que lutou a vida toda contra o preconceito e a favor da liberdade, contra a hipocrisia. Socióloga, fundadora da ONG Davida e da grife Daspu, Gabriela Leite escreveu o livro Filha, mãe, avó e puta - onde conta sua experiência como universitária e garota de programa. Gabriela está na Holanda, soube do caso da Geisy, viu o vídeo do linchamento moral e, a pedido nosso, escreveu um artigo para o blog Mulher 7×7. Ela admite seu estupor com um Brasil que diz desconhecer, talvez mais retrógrado do que há décadas, se for ilustrado por esse caso da Uniban - que transformou uma vítima em culpada, e não puniu os universitários amotinados que colocaram no youtube a seleção vergonhosa de imagens em que a estudante sai escoltada pela PM e coberta com um jaleco branco.
“Mulheres são vagabundas ou certinhas? Boas ou más? Da vida ou de família?”
Por Gabriela Leite (foto)
Aqui em Amsterdã, onde estou para uma reunião do movimento internacional de prostitutas, acompanho estarrecida as notícias sobre a moça do vestido rosa-choque. À distância, fica ainda mais difícil entender o que se passa nas cabeças da direção da Uniban e de seus alunos de moral irrepreensível.
O país da Uniban e seus alunos não é, em definitivo, o meu país, como também não é a cidade em que nasci e onde passei grande parte de minha vida.
Fui aluna da USP nos já longínquos anos setenta. Eram tempos efervescentes: todos nós queríamos uma sociedade mais aberta e menos hipócrita em relação à sexualidade. A pílula anticoncepcional deu maior liberdade sexual para a mulher. Nós, meninas cheias de sonhos e cansadas da educação diferenciada, fomos à luta e aderimos à chamada revolução sexual. Marcuse, Foucault, Deleuze – nossos ídolos e gurus do pensamento libertário. Quantas discussões no bar da Consolação sobre a sexualidade livre, mais sincera e menos hipócrita.
A vida real um dia nos chamou, e seguimos cada uma o seu caminho. Fui para a prostituição com um imenso desejo de conhecer um outro mundo, outros códigos. A “Boca do Lixo” me chamava insistentemente. Acreditava que a sociedade estava mudada e me deparei com a realidade nua e crua do estigma da prostituta: dupla moral para poder viver na sociedade e clientes colocando para fora suas fantasias sexuais. Os mesmos homens que, em suas vidas, posavam e posam de guardiães da moral e dos bons costumes. Homens que, como nós, prostitutas, viviam também uma dupla moral. Como uma tradução dessa realidade subjetiva, sobrava para nós, prostitutas, a realidade nua e crua: violência policial com porradas, prisões e desaparecimentos de colegas dos porões da Terceira Delegacia da cidade de São Paulo.
Resolvi não ficar parada olhando e desde então venho falando, agindo e acreditando que uma sociedade menos hipócrita em seus valores morais é possível de ser alcançada. Esse é meu sonho, essa é minha vida. É difícil! As verdades absolutas (que ninguém vive) estão entranhadas em nossa cultura. Continua
A expulsão da estudante Geisy Villa Nova Arruda, 20 anos, pela Uniban, por “não vestir roupas condizentes com uma universidade” e por seu “comportamento provocativo”, é uma decisão tão totalitária, imprópria e absurda que, depois de escrever um post e uma coluna sobre o caso, achei melhor dar voz hoje a uma mulher que lutou a vida toda contra o preconceito e a favor da liberdade, contra a hipocrisia. Socióloga, fundadora da ONG Davida e da grife Daspu, Gabriela Leite escreveu o livro Filha, mãe, avó e puta - onde conta sua experiência como universitária e garota de programa. Gabriela está na Holanda, soube do caso da Geisy, viu o vídeo do linchamento moral e, a pedido nosso, escreveu um artigo para o blog Mulher 7×7. Ela admite seu estupor com um Brasil que diz desconhecer, talvez mais retrógrado do que há décadas, se for ilustrado por esse caso da Uniban - que transformou uma vítima em culpada, e não puniu os universitários amotinados que colocaram no youtube a seleção vergonhosa de imagens em que a estudante sai escoltada pela PM e coberta com um jaleco branco.
“Mulheres são vagabundas ou certinhas? Boas ou más? Da vida ou de família?”
Por Gabriela Leite (foto)
Aqui em Amsterdã, onde estou para uma reunião do movimento internacional de prostitutas, acompanho estarrecida as notícias sobre a moça do vestido rosa-choque. À distância, fica ainda mais difícil entender o que se passa nas cabeças da direção da Uniban e de seus alunos de moral irrepreensível.
O país da Uniban e seus alunos não é, em definitivo, o meu país, como também não é a cidade em que nasci e onde passei grande parte de minha vida.
Fui aluna da USP nos já longínquos anos setenta. Eram tempos efervescentes: todos nós queríamos uma sociedade mais aberta e menos hipócrita em relação à sexualidade. A pílula anticoncepcional deu maior liberdade sexual para a mulher. Nós, meninas cheias de sonhos e cansadas da educação diferenciada, fomos à luta e aderimos à chamada revolução sexual. Marcuse, Foucault, Deleuze – nossos ídolos e gurus do pensamento libertário. Quantas discussões no bar da Consolação sobre a sexualidade livre, mais sincera e menos hipócrita.
A vida real um dia nos chamou, e seguimos cada uma o seu caminho. Fui para a prostituição com um imenso desejo de conhecer um outro mundo, outros códigos. A “Boca do Lixo” me chamava insistentemente. Acreditava que a sociedade estava mudada e me deparei com a realidade nua e crua do estigma da prostituta: dupla moral para poder viver na sociedade e clientes colocando para fora suas fantasias sexuais. Os mesmos homens que, em suas vidas, posavam e posam de guardiães da moral e dos bons costumes. Homens que, como nós, prostitutas, viviam também uma dupla moral. Como uma tradução dessa realidade subjetiva, sobrava para nós, prostitutas, a realidade nua e crua: violência policial com porradas, prisões e desaparecimentos de colegas dos porões da Terceira Delegacia da cidade de São Paulo.
Resolvi não ficar parada olhando e desde então venho falando, agindo e acreditando que uma sociedade menos hipócrita em seus valores morais é possível de ser alcançada. Esse é meu sonho, essa é minha vida. É difícil! As verdades absolutas (que ninguém vive) estão entranhadas em nossa cultura. Continua