Escola pública de qualidade: quanto queremos pagar por isto? Artigo de Luciano Medes Filho
Luciano Mendes de Faria Filho é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Estabelecida a gratuidade da escola primária pela Constituição de 1824, Minas Gerais foi uma das primeiras províncias do Império Brasileiro a estabelecer a sua obrigatoriedade, em 1835. No entanto, em 1845, o vice-presidente da província de Minas Gerais, então a mais rica e populosa do império, Quintiliano José da Silva, referia-se à lei nº 275, que havia limitado o número de escolas na província, e sentenciava que "esta medida não deixa de ser a muitos respeitos prejudicial, mas eu entendo que, em quanto não melhorarem nossos recursos financeiros, nada devemos inovar a este respeito." Passados 170 anos, ainda hoje, os estados mais ricos da Federação, como MG e RS, dizem não ter recursos para pagar um salário decente a seus professores e, assim, investir em uma educação de qualidade.
Conquistada a expansão da escola básica, há hoje no Brasil um clamor generalizado pela elevação de sua qualidade. Desta dependeria, segundo os empresários, a mão de obra qualificada para fazer frente ao crescimento econômico; já segundo os cientistas, sem melhorar a educação básica não será possível suportar a crescente demanda por produção científica e tecnológica; sem melhorar a educação, afirmam as autoridades do estado, não será possível retirar o País da posição vergonhosa que ocupa nos rankings internacionais da educação; mas, também, sem melhor educação, dizem os ativistas sociais, não será possível fazer do Brasil um país de instituições modernas e mais democrático. Isto para listar apenas quatro dos principais argumentos mobilizados no momento.
Se há tamanha unanimidade, por que não há mudança de fato ou, na visão dos mais otimistas, por que as mudanças ocorrem tão lentamente?
Penso que isto é devido ao fato de que não conseguimos chegar ao consenso mais importante: quanto estamos dispostos a gastar como sociedade e, neste sentido, como Estado Nacional, na manutenção de uma escola básica de qualidade para todos? Acostumados que estamos com uma cultura política baseada em privilégios, de tal forma que, ainda hoje, falamos dos mais pobres como desprivilegiados, naturalizamos o fato existir no Brasil uma escola para os filhos dos trabalhadores e outra para as camadas médias e altas.
Uma possibilidade história de superação desta situação está posta, hoje, na discussão do Plano Nacional da Educação em tramitação no Congresso Nacional e está relacionada diretamente com o montante de recursos do PIB que aplicaremos na educação pública nos próximos anos. Os ocupantes do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e boa parte dos congressistas sabem que o montante entre 7% e 8%, defendido pelo governo, é insuficiente para fazer frente às necessidades de investimento para termos uma educação de qualidade.
A sociedade civil organizada luta contra a insensibilidade daqueles que lastimam a sorte da escola pública, mas que não estão dispostos a criar condições para realizar mudanças substantivas. A luta a favor dos 10% do PIB para educação se apresenta, pois, como uma oportunidade para fazer, hoje, as mudanças que não tivemos coragem de fazer no passado; inclusive porque podemos não ter outros 170 anos para pensar no assunto!