quinta-feira, 14 de junho de 2012
Vítimas de agrotóxicos na Chapada do Apodi, CE: Uma população expropriada e adoecida
Via EcoDebate
Por Maíra Mathias (Fiocruz)
13.06.2012
Pesquisadora denuncia política governamental de ocultamento dos danos à saúde gerados pelos agrotóxicos usados por empresas de agronegócio no Ceará
Desmatamento, destruição da biodiversidade, contaminação das águas, poluição sonora, pulverização aérea de agrotóxicos, passividade da comunidade, intoxicações, abortamentos, exploração do trabalhador e má distribuição de renda. A lista, resultado da reflexão de comunidades impactadas pelo agronegócio, é um dos dados da pesquisa coordenada por Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Também coordenadora do Núcleo Tramas (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde), ela participou do seminário ‘Desigualdade Ambiental e Regulação Capitalista: da acumulação por espoliação ao ambientalismo-espetáculo’, promovido nos dias 31 de maio e 1º de junho pelo Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ).
Segundo a pesquisadora, o estudo iniciado em 2007 foi motivado pela quantidade anormalmente alta de casos de intoxicações por agrotóxicos na região cearense que se estende da Chapada do Apodi, zona na fronteira com o Rio Grande do Norte, ao Tabuleiro de Russas, às margens do rio Jaguaribe. A ligação entre o aumento dos casos e o agronegócio da fruticultura irrigada para exportação chamou atenção dos pesquisadores. Segundo ela, essas empresas – tanto nacionais, quanto transnacionais – começaram a se instalar na região no início dos anos 2000, graças a uma combinação de projetos governamentais de irrigação e incentivos fiscais.
De acordo com Raquel, é possível pensar no cenário das empresas que têm seus lucros na monocultura de frutas a partir de perspectivas variadas, todas desfavoráveis às comunidades que ocupam historicamente a região. Desde a implantação do perímetro irrigado, o índice de expropriação dos pequenos agricultores chegou a 81%, divulgou. A terra, antes usada pelos agricultores familiares para uma produção em pequena escala, passou a ter que responder à lógica das empresas monocultoras, que aumentam a produtividade dos hectares. “A exploração da terra é tão intensa que o solo se exaure e as pragas vencem. Eles [os empresários] entendem que o solo é um substrato onde se coloca o fertilizante”, expôs, exemplificando: “O monocultivo do abacaxi foi feito durante oito anos e então, tornou-se inviável. As empresas estão deixando essas terras e tentando a banana. O mesmo aconteceu com o melão. Eles argumentaram que foi por causa da alteração de preços no mercado internacional – e é claro que isso influenciou –, mas a gente vê claramente que eles perderam o controle da contaminação do solo por um fungo chamado fusarium. Usaram mais de 30 ingredientes ativos diferentes de agrotóxicos sem conseguir, entretanto, controlar a praga”.
As empresas também comprometem a água da região ao fazerem uso da técnica de pulverização aérea de agrotóxicos, um dos principais focos de resistência da comunidade. A população chegou a conseguir que a Câmara de Vereadores assinasse uma lei proibindo a prática, no entanto, lembra Raquel, seguiu-se o assassinato de Zé Maria do Tomé, liderança que lutou pela lei, e um mês depois houve a revogação da proteção. “Fizemos uma amostra da água que é oferecida às comunidades da Chapada pelo serviço municipal. Das 23 amostras em triplicata não encontramos nenhuma que não tivesse pelo menos três ingredientes ativos de agrotóxicos. A comunidade da Cabeça Preta tinha 12 ingredientes ativos em uma mesma amostra de água”, expôs.
Ainda em relação à água, Raquel citou um estudo feito pela agência governamental de gestão de recursos hídricos que mostrou que a contaminação por agrotóxicos já compromete os lençóis hídricos. “No município de Quixeré existem 244 poços profundos perfurados, 165 destes pelo agronegócio. É uma área de mais de quatro mil hectares irrigada assim. Nesse estudo, eles colheram 10 amostras de água e acharam agrotóxicos em seis delas. A contaminação subterrânea de água por agrotóxicos é muito mais complexa do que, por exemplo, a contaminação biológica, em que você põe cloro, filtra”. Segundo a pesquisadora, até hoje o governo não cobra as empresas pelo uso da água. No quesito incentivo ao agronegócio, a pesquisadora explicou que, além de receberem isenções de vários impostos, as empresas usam agrotóxicos 100% livres de taxas governamentais. “No Brasil, por convênio federal, até 60% do ICMS é isento. No Ceará e em outros estados do país, como o Mato Grosso, isso foi considerado pouco e os governadores concederam a ampliação para 100%. Os agrotóxicos são livres de ICMS, IPI, PIS-Pasep e Cofins”, relatou. Continua
Por Maíra Mathias (Fiocruz)
13.06.2012
Pesquisadora denuncia política governamental de ocultamento dos danos à saúde gerados pelos agrotóxicos usados por empresas de agronegócio no Ceará
Desmatamento, destruição da biodiversidade, contaminação das águas, poluição sonora, pulverização aérea de agrotóxicos, passividade da comunidade, intoxicações, abortamentos, exploração do trabalhador e má distribuição de renda. A lista, resultado da reflexão de comunidades impactadas pelo agronegócio, é um dos dados da pesquisa coordenada por Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Também coordenadora do Núcleo Tramas (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde), ela participou do seminário ‘Desigualdade Ambiental e Regulação Capitalista: da acumulação por espoliação ao ambientalismo-espetáculo’, promovido nos dias 31 de maio e 1º de junho pelo Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ).
Segundo a pesquisadora, o estudo iniciado em 2007 foi motivado pela quantidade anormalmente alta de casos de intoxicações por agrotóxicos na região cearense que se estende da Chapada do Apodi, zona na fronteira com o Rio Grande do Norte, ao Tabuleiro de Russas, às margens do rio Jaguaribe. A ligação entre o aumento dos casos e o agronegócio da fruticultura irrigada para exportação chamou atenção dos pesquisadores. Segundo ela, essas empresas – tanto nacionais, quanto transnacionais – começaram a se instalar na região no início dos anos 2000, graças a uma combinação de projetos governamentais de irrigação e incentivos fiscais.
De acordo com Raquel, é possível pensar no cenário das empresas que têm seus lucros na monocultura de frutas a partir de perspectivas variadas, todas desfavoráveis às comunidades que ocupam historicamente a região. Desde a implantação do perímetro irrigado, o índice de expropriação dos pequenos agricultores chegou a 81%, divulgou. A terra, antes usada pelos agricultores familiares para uma produção em pequena escala, passou a ter que responder à lógica das empresas monocultoras, que aumentam a produtividade dos hectares. “A exploração da terra é tão intensa que o solo se exaure e as pragas vencem. Eles [os empresários] entendem que o solo é um substrato onde se coloca o fertilizante”, expôs, exemplificando: “O monocultivo do abacaxi foi feito durante oito anos e então, tornou-se inviável. As empresas estão deixando essas terras e tentando a banana. O mesmo aconteceu com o melão. Eles argumentaram que foi por causa da alteração de preços no mercado internacional – e é claro que isso influenciou –, mas a gente vê claramente que eles perderam o controle da contaminação do solo por um fungo chamado fusarium. Usaram mais de 30 ingredientes ativos diferentes de agrotóxicos sem conseguir, entretanto, controlar a praga”.
As empresas também comprometem a água da região ao fazerem uso da técnica de pulverização aérea de agrotóxicos, um dos principais focos de resistência da comunidade. A população chegou a conseguir que a Câmara de Vereadores assinasse uma lei proibindo a prática, no entanto, lembra Raquel, seguiu-se o assassinato de Zé Maria do Tomé, liderança que lutou pela lei, e um mês depois houve a revogação da proteção. “Fizemos uma amostra da água que é oferecida às comunidades da Chapada pelo serviço municipal. Das 23 amostras em triplicata não encontramos nenhuma que não tivesse pelo menos três ingredientes ativos de agrotóxicos. A comunidade da Cabeça Preta tinha 12 ingredientes ativos em uma mesma amostra de água”, expôs.
Ainda em relação à água, Raquel citou um estudo feito pela agência governamental de gestão de recursos hídricos que mostrou que a contaminação por agrotóxicos já compromete os lençóis hídricos. “No município de Quixeré existem 244 poços profundos perfurados, 165 destes pelo agronegócio. É uma área de mais de quatro mil hectares irrigada assim. Nesse estudo, eles colheram 10 amostras de água e acharam agrotóxicos em seis delas. A contaminação subterrânea de água por agrotóxicos é muito mais complexa do que, por exemplo, a contaminação biológica, em que você põe cloro, filtra”. Segundo a pesquisadora, até hoje o governo não cobra as empresas pelo uso da água. No quesito incentivo ao agronegócio, a pesquisadora explicou que, além de receberem isenções de vários impostos, as empresas usam agrotóxicos 100% livres de taxas governamentais. “No Brasil, por convênio federal, até 60% do ICMS é isento. No Ceará e em outros estados do país, como o Mato Grosso, isso foi considerado pouco e os governadores concederam a ampliação para 100%. Os agrotóxicos são livres de ICMS, IPI, PIS-Pasep e Cofins”, relatou. Continua