quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Debatedores apontam riscos do uso da água na mineração

JC-Notícias/SBPC
10.12.2014

Audiência pública foi realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH)

Mais atenção do governo para a gestão dos recursos hídricos. Foi o que pediram os expositores da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) na tarde desta terça-feira (9).
Técnicos, lideranças de populações atingidas pelas consequências do mau uso da água e representantes do governo debateram a escassez gerada pelo impacto do uso da água na mineração. O senador João Capiberibe (PSB-AP), que presidiu a reunião, quer mais: a cobrança referente ao uso da água pelas mineradoras.

Destruição histórica

Para  João Capiberibe, o país tem demonstrado descaso com os recursos naturais, com uma história de destruição da natureza que vem desde o Brasil Colonial. Ele observou que o Brasil está alarmado com a escassez de água que atinge o país, em especial o estado de São Paulo, ao mesmo tempo em que se registra um grande desperdício. Segundo o parlamentar, de cada 100 litros de água tratada, menos da metade chega às torneiras do consumidor, o que mostra claramente que a sociedade não tem preocupação com o uso da água.
— O que antes era tachado como alarmismo de ambientalista agora se tornou uma grave realidade. As atividades desenvolvidas pelos humanos já afetaram o ciclo hidrológico e a manutenção da disponibilidade hídrica histórica. É uma problemática que envolve o modelo de desenvolvimento do Brasil e a concepção de mundo que queremos construir para as gerações presentes e futuras — declarou.
O senador chamou atenção para o aumento crescente do uso de grandes volumes de água como insumo gratuito pelas grandes mineradoras, para transportar os recursos minerais extraídos do subsolo. Capiberibe contou que os minerodutos utilizam, em uma hora de funcionamento, a quantidade de água suficiente para abastecer uma cidade com 500 mil habitantes no mesmo período de tempo.
O quadro, alerta João Capiberibe, se torna ainda mais grave com o crescimento de licenças concedidas para as mineradoras. Segundo o senador, em 2012, houve mais outorgas para o uso de água na mineração do que na indústria.

Rios e cachoeiras

Para Patrícia Generoso, representante da Rede de Acompanhamento e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas Rio em Conceição do Mato Dentro (Reaja), a exploração da natureza hoje é pior do que a que se fazia no passado. Ela deu como exemplo um empreendimento de mineração de grande porte em Conceição do Mato Dentro (MG), que está construindo mais de 500 quilômetros de dutos — por onde passa a água como meio de transporte para os minérios. A ativista contou que uma cachoeira da região, que era usada principalmente para o lazer de crianças, foi detonada pela empresa mesmo sem necessidade. Segundo Patrícia, muitos projetos têm começado sem licença ambiental, afetando a vida silvestre, a criação de gado e as águas dos rios.
— É um caos, uma destruição do início ao fim. Há casos de assoreamento e aterramento de nascentes, com grande impacto social — denunciou.
O assessor da Articulação da Bacia do Rio Santo Antônio de Minas Gerais, Gustavo Gazzinelli, registrou que as companhias de água e esgoto vêm fazendo seguidas campanhas para que o consumidor economize água. No entanto, observou, essas mesmas campanhas não são dirigidas para as empresas de mineração. Gazzinelli criticou a atuação da Agência Nacional de Águas (ANA) e afirmou que há uma “quadrilha” em Minas Gerais trabalhando contra as águas e a favor das mineradoras. Ele disse que praticamente todos os rios mineiros saudáveis estão sendo usados para atividades de mineração.
— Vai chegar o dia em que não teremos um rio de qualidade — lamentou.

Reflexão

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Carlos Bittencourt apontou que a crise da gestão da água no Brasil não é um problema do consumidor individual. Ele lembrou que o volume consumido pela irrigação agrícola, pela indústria e pela mineração é cinco vezes maior que o demandado para o abastecimento público. De acordo com Maria Teresa Corujo, do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MG), a mineração vem comprometendo não apenas o uso, mas o acúmulo e a renovação das águas, provocando o fim das nascentes.
Já Anacleta Pires da Silva, do movimento dos Atingidos pelo Projeto Grande Carajás, pediu uma reflexão sobre a importância da água e disse que “não somos nada em uma terra sem água”. Segundo a especialista Eldis Camargo Santos, representante da ANA, a água não pertence ao governo ou a empresas, mas é “um bem de todos”. Ela disse que a ANA vem procurando fazer sua parte e acrescentou que a legislação garante, em caso de escassez, a prioridade da água para o uso humano.
— Vocês têm caminhos para exigir o cumprimento da lei — disse.
A senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da CDH, elogiou a qualidade do debate e disse que as informações apresentadas foram impactantes. Ela lamentou um suposto “descompasso” entre o que a lei prevê e o que de fato vem sendo executado na gestão das águas. Para a senadora, a extração do minério precisa ser repensada e o poder público precisa de agilidade nas questões legais que envolvem o uso da água pela população. Ana Rita ainda pediu ponderação no debate do Novo Código de Mineração, que está em análise na Câmara dos Deputados.

Protesto

A audiência também foi marcada pelo protesto pacífico contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que está na Câmara dos Deputados. A proposta garante ao Legislativo o direito de apreciar as demarcações de áreas indígenas e de ratificar as demarcações já homologadas. Segundo os manifestantes, a construção da ferrovia Carajás e a atuação de empresas de mineração estão afetando os direitos de indígenas e quilombolas no Maranhão. Os ativistas gritaram palavras de ordem e seguraram uma faixa, atrás da mesa da comissão, com os dizeres “não à PEC 215”.

— O povo não bebe minério! — alertaram.

Ana Rita lamentou os casos de violência envolvendo a disputa de terra entre indígenas e fazendeiros no país, em especial no estado do Mato Grosso, e Capiberibe criticou a PEC 215, classificando-a como um “retrocesso”. Ele chegou a dizer que há uma “conspiração contra as comunidades indígenas” no Brasil. O senador ainda anunciou que vai buscar uma reunião com a presidente Dilma Rousseff para tratar da relação das mineradoras com a água e seu impacto na população.

(Tércio Ribas Torres / Agência Senado)
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/12/09/debatedores-apontam-riscos-do-uso-da-agua-na-mineracao