JC e-mail 4939, de 24 de abril de 2014
Uma revolução de gêneros na medicina
Cromossomo Y não determina apenas o sexo, mas também expressão de genes e suscetibilidade a doenças, sugere novo estudo
Ele não está desaparecendo e, sim, é fundamental para a sobrevivência humana. O cromossomo Y, símbolo da masculinidade que estava desacreditado após pesquisas mostrarem que sua carga genética estava diminuindo e que ele teria pouca função na reprodução, parece ter recuperado sua força. Um novo estudo do Instituto Whitehead, em Massachusetts, nos EUA, sugere que ele atua na expressão dos genes e nas diferenças de suscetibilidade a doenças entre homens e mulheres. A descoberta promete revolucionar a medicina e o modelo de pesquisa biomédica utilizado até o momento.
Em artigo na revista "Nature", os pesquisadores afirmaram que, de fato, o cromossomo Y tem pouca ou nenhuma ligação com a determinação do sexo ou a produção de esperma, mas está ativo em todo o corpo.
- O cromossomo Y pode desempenhar um papel subestimado nas diferenças entre homens e mulheres. Seus genes não apenas regulam as diferenças anatômicas entre os gêneros, mas muitos processos fundamentais em todas as células, desde a concepção até a idade adulta - disse ao "GLOBO" por e-mail Winston Bellott, um dos autores da pesquisa do Instituto Whitehead com colaboração da Universidade de Washington e das faculdades de medicina de St. Louis e Baylor.
Presença aprimorada
A decadência genética do cromossomo Y também é uma realidade. No entanto, os pesquisadores acreditam que ela faz parte da evolução.
Nos últimos dez anos, David Page, diretor do Instituto Whitehead e que também é professor de biologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e do Instituto Médico Howard Hughes, reuniu um grupo de trabalho para desbancar o argumento de que a perda de genes do cromossomo Y ao longo dos cerca de 300 milhões de anos levaria a sua inevitável extinção.
A pesquisa mostrou que, dos 600 genes ligados ao cromossomo masculino, apenas 19 sobreviveram. A equipe de cientistas, então, comparou os genes Y do homem com o de macacos Rhesus e o de chimpanzés. Eles descobriram que, da carga genética ancestral, o cromossomo humano havia perdido apenas um único gene nos últimos 25 milhões de anos.
O próximo passo do estudo foi comparar o Y do homem, do Chimpanzé e do macaco Rhesus ao de outros cinco mamíferos: sagui, rato, camundongo, touro e gambá. Os pesquisadores encontraram um conjunto de genes ancestrais do cromossomo Y presente nas oito espécies.
De acordo com Page, a estabilidade genética do cromossomo masculino e sua conservação mostram não uma perda de força, mas a formação de um "grupo de elite" dos genes.
- Há cerca de uma dúzia de genes conservados no Y que são expressos em células e tipos de tecidos em todo o corpo - explicou Page. - Estes são os genes envolvidos na decodificação e interpretação da totalidade do genoma. O quão penetrante seus efeitos são é uma questão que jogamos no campo, e não pode mais ser ignorada.
Bellott ressaltou que os genes foram "selecionados e purificados ao longo do tempo", e que eles são extremamente importantes para a sobrevivência humana. Por isso, a equipe de pesquisadores pretende agora estudar como eles atuam.
- Os genes que sobreviveram nas espécies estudadas são claramente muito importantes - ressaltou Bello. - Em seres humanos, apenas alguns genes foram selecionados entre mais de 600. Não temos certeza se a perda dos outros genes do cromossomo Y melhorou ou não sua atuação, mas, ao que parece, ele foi simplificado através da evolução para funcionar como um segundo cromossomo sexual mínimo.
Novos padrões para a biomedicina
Já se sabia que as células femininas, XX, eram pouco, mas fundamentalmente diferentes das masculinas, XY. No entanto, até o momento, dizem os cientistas, nenhuma pesquisa biomédica parece ter levado em conta essa diferenciação anatômica em tecidos e órgãos.
- O cromossomo Y tem sido muitas vezes ridicularizado como um "terreno baldio genético". Nosso estudo mostra que ele tem genes muito importantes, que têm resistido ao tempo em um ambiente evolutivo hostil - assegurou Bellott. - No entanto, temos biólogos e bioquímicos que estudam ativamente células sem qualquer ideia se são XX ou XY. Isto é tão fundamental para a biologia e a biomedicina, e, ainda assim, ninguém realmente prestou muita atenção nisso.
Page e Bellott estão trabalhando em um catálogo bioquímico das diferenças entre as células XX e XY. Segundo eles, a diversidade de atuação entre os dois tipos deve acabar com o modelo unissex de pesquisa biomédica e do tratamento de doenças.
- O cromossomo Y pode regular muitos genes no genoma, por isso a sua atuação têm implicações tanto para as diferenças no desenvolvimento normais, como na manifestação de doenças - garantiu Bellott. - Muitas doenças são diferentes na prevalência entre homens e mulheres, e os hormônios sexuais (testosterona e estrogênio) não podem explicar totalmente essa discrepância. Nós acreditamos que as diferenças entre os cromossomos X e Y podem desempenhar um papel importante na forma como elas atuam.
(Maria Clara Serra / O Globo)