quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Vamos jogar a ciência no ralo", defende parlamentar sobre o despejo da Embrapa Cerrado


JC e-mail 4938, de 23 de abril de 2014
"Vamos jogar a ciência no ralo", defende parlamentar sobre o despejo da Embrapa Cerrado


Audiência pública reuniu representantes das comissões de Agricultura e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática


É preciso buscar uma alternativa para evitar a transformação em zona urbana da área atualmente usada para a pesquisa no cerrado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A afirmação é do vice-presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural Luiz Carlos Heinze (PP/SC). "Não me parece que o problema seja tão grave que eles não possam encontrar outra área para isso (moradia) sem precisar interromper décadas de pesquisa científica de altíssimo nível", frisou.

Em audiência pública conjunta das comissões de Agricultura e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, na tarde desta terça-feira (22), o parlamentar lembrou que, há um século, a falta de pesquisa fez com que o Brasil deixasse de ser o maior produtor mundial de borracha. "Trata-se de um patrimônio nacional. Não podemos perder o trem da História". Para Heinze, perder um trabalho científico, com os poucos recursos existentes para pesquisa, é como "jogar ciência pelo ralo".

Para o deputado Vitor Penido (DEM/MG), moradia é uma questão importante, mas não a única e um governo que a poucos meses da eleição fala em projetar milhares de habitações está fazendo demagogia. "O Brasil precisa é de mais planejamento e não de destruir aquilo que está dando certo."

Reinhold Stephanes, ex-ministro da Agricultura e deputado (PSD-PR), lembrou que a discussão sobre a ocupação do cerrado vem desde a década de 1970. "A Embrapa Cerrado ficava há dezenas de quilômetros de qualquer área habitada naquela ocasião, mas já se discutia como aproveitar melhor o cerrado. De lá para cá, o Brasil deixou de ser importador de alimentos para se transformar em um grande exportador", afirmou. O parlamentar acrescentou que em sua opinião a Embrapa deveria ser tombada como patrimônio mundial pela contribuição que dá e já deu para o combate à fome no mundo. "Ele revoluciona a agricultura em todos os continentes."

A deputada Erika Kokay (PT/DF), que é filiada ao partido do governador do Distrito Federal, questionou a medida. "Qual é o País que se quer construir. No meu entender a política habitacional é importantíssima para o progresso do País, mas não na área da Embrapa do Cerrado."

Kolay sugeriu que as comissões encaminhem ao GDF uma declaração pedindo que se busque alternativas viáveis para que não se despeje a Embrapa. "Precisamos preservar a ciência e buscar outros espaços para atender à demanda habitacional", defendeu.

Justificativa

O subsecretário de Habitação do DF, Paulo Valério, que participou do debate, justificou o projeto. Segundo ele, milhares de famílias buscam soluções de moradia na região norte do DF. Segundo ele, a área foi escolhida por ficar à margem da BR-020, em uma área propícia para o adensamento populacional, que fica junto a uma área urbana e pertence à Terracap, que é a empresa pública responsável pela venda de terras públicas no estado.

Já o subsecretário de Regularização e Desenvolvimento Urbano do DF, Jânio Rodrigues, explicou que, pelo plano, o futuro bairro Planaltina Parque deverá ser construído pelo programa Morar Bem, que é o equivalente local do Minha Casa Minha Vida, para abrigar 19 mil habitantes. "O empreendimento tem importância social, ou seja reduzir o déficit social urbano."

O diretor extraordinário de Habitação e Regularização Fundiária de Interesse Social da Terracap, Luciano Nóbrega Queiroga, explicou que o GDF se utilizou de duas leis distritais para exigir a concessão da área para a construção do projeto habitacional, sendo o processo de despejo, portanto, legal.

Divergência

A promotora de Justiça Cristina Rasia Montenegro discorda, contudo, que a obra seja benéfica. "Os projetos atropelam a questão ambiental no DF. Se em 2006, havia problema de abastecimento de água naquela região, não será agora, oito anos depois, que região, que é de nascentes, conseguirá receber quase 20 mil pessoas. Não terá água para esses apartamentos", declarou. De acordo com a promotora, o sistema hídrico da área é sensível e, portanto, esse adensamento será preocupante.

Cristina Rasia disse também que a Constituição protege a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico tanto quanto protege a questão da moradia. "A Embrapa é um difusor de conhecimento e de progresso científico e tecnológico. Estamos preocupados com a questão hídrica, com a falta de estudos prévios de impacto ambiental e com a falta de respeito com a Embrapa Cerrados."

Posição semelhante tem o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no DF, Luiz Eduardo Nunes. Ele criticou o fato de o Ibama não ter sido consultado sobre o licenciamento ambiental da área.

Nunes acrescentou que não pode opinar sobre os pormenores do projeto por não ter tido sequer acesso à proposta. Sobre a região para onde o projeto está previsto, contudo, ele comentou que a questão do abastecimento de água no DF é realmente preocupante. "Acho que os órgãos ambientais precisam ser consultados nesse debate."

O estudo de impacto ambiental sobre o projeto Planaltina Parque deve ficar pronto nos próximos 90 dias.

Moção

Durante a reunião foi aprovada uma moção contra projeto do governo do Distrito Federal (GDF) que quer transformar em zona urbana a área atualmente usada para a pesquisa agropecuária pela Embrapa.

De acordo com o deputado Izalci (PSDB-DF), que sugeriu a realização de audiência pública, as duas comissões querem o DF transfira para a Embrapa a escritura da posse da terra. Ele anunciou também que haverá uma reunião da Bancada do DF na quinta-feira (24) para discutir o tema.

Imbróglio

A Embrapa Cerrados, localizada na região administrativa de Planaltina, tem sido a mais importante unidade no desenvolvimento de pesquisas agropecuárias para o cerrado. No entanto, o governo do DF quer retirar cerca de 90 hectares da área para a implantação de projeto de assentamento para quase cinco mil famílias.

(SBPC com informações da Agência Câmara)