JC e-mail 4928, de 07 de abril de 2014
Rio e São Paulo desperdiçam mais de 30% da água
Para especialistas, razoável seria 15%; em SP, nível do abastecimento de Cantareira é o mais baixo da história
Estados mais ricos do país, Rio e São Paulo - que hoje divergem por conta do pedido do governo paulista para captar água da bacia do Rio Paraíba do Sul - desperdiçaram, em 2011, mais de 30% da água tratada. As perdas na distribuição chegaram, respectivamente, a 32,8% e 35,2%. De acordo com o Ministério das Cidades, que reúne os dados do setor, a média brasileira é ainda pior: 38,8%, por conta dos estados do Norte e do Nordeste, que em sua maioria desperdiçavam mais da metade da água tratada. Para especialistas, no entanto, o razoável seria até 15%. Alguns países da Europa e os Estados Unidos estão nesse patamar. Na Alemanha, por exemplo, o índice já está abaixo dos 10%. O Japão, no entanto, foi além: tem índice de 7%, sendo que, em Tóquio, o desperdício não passa dos 5%.
Responsável por 7,7 milhões de ligações de água, o volume de água tratado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), em 2012, foi de 3.059 milhões/m3. Apenas com vazamentos, a companhia perdeu 20,3%. No entanto, de acordo com a Sabesp, esse número vem caindo. Nos últimos 10 anos, houve queda de 8 pontos percentuais. Ainda assim, a água desperdiçada com vazamentos daria, de acordo com Antônio Eulálio, conselheiro do Crea/RJ, para encher "em torno de 300 piscinas olímpicas". Somadas as perdas que impactam no faturamento, como ligações irregulares, gatos de água e hidrômetros quebrados, o desperdício chegou, em 2012, a 25,7%.
No Rio, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), desde o começo deste ano, trata e distribui 48 mil litros por segundo. De acordo com a Cedae, 70% das redes de distribuição antigas, "potencialmente causadoras de vazamentos", já foram substituídas, o que explicaria em parte a queda no índice de desperdício que, em 2009, passava dos 50%. A Cedae cita ainda as perdas comerciais, "impactadas pelo consumo em comunidades (favelas)". Segundo a empresa, "nas comunidades existe abastecimento, mas o nível de consumo informal (gatos) é extremamente elevado".
- Rio e São Paulo têm perdas extraordinárias. Discute-se quem pode captar ou não água do Rio Paraíba do Sul, mas é uma falsa discussão. Se tanta água não fosse desperdiçada, a carência seria menor. A discussão tinha que passar pela má gestão das empresas de saneamento dos estados e não apenas pela captação da água do rio que atende a maior concentração da força produtiva brasileira. Claro que agora é necessária uma solução de curto prazo, mas desperdiçar mais de 15% deveria ser inaceitável - diz Paulo Canedo, coordenador do laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ: - Se o estado de São Paulo conseguisse reduzir em 50% as perdas na distribuição, seria possível atender cerca de 4,5 milhões a mais de pessoas.
No mês passado, por conta da capacidade dos reservatórios do Sistema Cantareira virem acumulando recordes negativos, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) pediu ao governo federal para captar água do Rio Paraíba do Sul, maior fonte de abastecimento do Rio. O pedido abriu uma crise entre os dois estados, e o então governador Sérgio Cabral (PMDB) disse que não ia "tolerar nada" que afetasse o abastecimento.
- As duas empresas, Sabesp e Cedae, já deveriam estar perto de 20% e não perto dos 30%. Não existe perda zero, mas 15% seria um nível civilizado. Os números do Brasil são maiores, e ainda podem estar subdimensionados - diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, lembrando que não é só o cidadão que deve ser cobrado quando há escassez:
- Num momento como o que vivemos agora, cobra-se que o cidadão reduza o consumo, mas as empresas têm que ser cobradas também.
No entanto, ele diz que é preciso levar em conta que os números do desperdício incluem o abastecimento de pessoas que vivem em áreas irregulares e têm ligações clandestinas:
- Só em São Paulo, fala-se em 3 milhões vivendo nessas condições, e a Sabesp não pode levar rede oficial para essas regiões. Mas não é por isso que o assunto não deve ser discutido. Temos que falar sobre isso, ainda mais porque Rio e São Paulo não podem usar os rios urbanos como fonte de água.
No Brasil, segundo o Ministério das Cidades, em 2011, nenhum estado tinha índice de perda abaixo ou igual a 20%. No mesmo ano, o Atlas do Saneamento, publicado pelo IBGE, apontava que 60% das cidades com mais de cem mil habitantes perdiam de 20% a 50% da água tratada, em função de vazamentos entre a captação e o consumidor. Além disso, 23% das cidades brasileiras conviviam com racionamento de água.
Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Dante Ragazzi diz que o desperdício "passa pela gestão das empresas", mas que a União, estados e municípios têm que trabalhar em conjunto:
- Em São Paulo, o governo estadual apostou na Sabesp, e os índices têm caído. Mas não tem milagre. O Rio, por exemplo, tem grandes favelas, então, a discussão tem que passar também pela regularização das áreas. O desafio é gigantesco, mas tem que incluir municípios, governos estaduais e a União. A meta do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) é chegar a 2033 com índice de perda de 31%.
- A distribuição de água tem que melhorar, mas ninguém controla realmente o serviço. No Rio e em São Paulo, todos que andam nas ruas veem canos vazando. Imagina se uma empresa pode engarrafar, por exemplo, uma bebida e perder 30%, 40% dessa produção? Ela quebra. Mas as empresas de saneamento postergam ações de manutenção, os canos vazam, falta água, elas perdem dinheiro... No mais, as empresas estão mesmo conformadas com o roubo de água? - pergunta Canedo.
Para Ragazzi, uma melhora no setor passa pelo governo federal. Ele acredita que a União poderia disponibilizar recursos e receber uma espécie de contrapartida.
Em nota, o Ministério das Cidades reconhece que "as perdas de água representam um dos grandes desafios para a expansão e melhorias da distribuição". Diz ainda que "a perda com a água produzida e não faturada faz com que o setor do saneamento deixe de obter importantes recursos financeiros, além de sobrecarregar desnecessariamente os mananciais hídricos com as demandas por aumento de produção de água". Segundo a nota, o ministério tem apoiado financeiramente, "por meio dos programas de abastecimento de água, os prestadores de serviços em ações que visam reduzir as perdas, bem como só aceita propostas de aumento de produção de água, quando as perdas estão abaixo da média nacional". A pasta afirma que "em um cenário ideal, as medidas preventivas de controle de perdas devem ser consideradas já nas etapas de planejamento e implantação do sistema de abastecimento de água. Ao longo da operação do sistema, medidas de redução e controle de perdas devem ser implementadas de forma contínua e permanente pelo prestador de serviços.".
(Carolina Benevides / O Globo)