Por Luiz Caversan
01.10.2011
A foto que aparece no Facebook poderia ser singela, mas não é o caso: é sinistra.
Lembra vagamente um camafeu ou uma pintura, ou melhor, um retrato barroco, perfil, pele muito clara, totalmente sem expressão.
Sem expressão: exatamente o oposto do que se esperaria de uma atriz. Portanto, um triste fim para uma atriz.
Mas a tristeza não para na face esvaziada de quem já encarnou tantos personagens, prossegue no fiapo de vida que resta a esta senhora. Aparentemente enredada numa trama familiar que se perde nos meandros da Justiça, com disputas judiciais e querelas em torno de patrimônio e dinheiro, ela sobrevive, de acordo com depoimento da filha Pat, numa casa velha, sem o atendimento médico e ambulatorial que seu precário estado exige, dependendo exclusivamente do serviço gratuito da saúde pública e sem ao menos ter noção do que se passa à sua volta.
Quando vi a foto, que circulou amplamente esta semana na internet, não acreditei que se tratava da atriz, empresária e produtora Ruth Escobar. Quando li a história contada por sua filha, o pasmo foi maior ainda.
Responsável por feitos notáveis do teatro brasileiro, Ruth sempre foi uma mulher ativa, forte e empreendedora. Polêmica, despertava paixões e ódios, mas marcou sua passagem pelas artes nacionais trazendo para o Brasil a vanguarda do teatro mundial nos anos 1970 em dois incríveis festivais internacionais, realizando montagens revolucionárias e construindo um excelente teatro em São Paulo, que leva seu nome.
Atuou em mais de 30 peças e produziu outras tantas, entre elas ícones como "Roda Viva", "Missa Leiga", "Cemitério de Automóveis", "O Balcão" ou "Torre de Babel".
Esta última eu tive o privilégio de assistir, em 1977, no seu próprio teatro e com ela em cena. A montagem do espanhol Fernando Arrabal era delirantemente fantástica, com efeitos de cenário e de som inimagináveis então. Um feito.
Por isso é revoltante e assustador ver a tal foto da Ruth aos 75 anos, rosto anódino e olhar perdido no vazio definitivo imposto pelo terrível mal de Alzheimer.
Mesmo porque, fora do palco e em tempos de resistência à ditadura militar, Ruth teve um desempenho na mobilização de intelectuais pela resistência democrática que jamais permitira supor um fim como este. Era uma liderança, aglutinadora e mobilizadora na área cultural como poucos tiveram coragem de ser naqueles tempos obscuros.
Sua casa (uma casa enorme no bairro do Pacaembu ou Perdizes, não me recordo bem) era uma espécie de quartel general lúdico da resistência, muitas festas foram realizadas ali para angariar fundos quando ainda se lutava por anistia a presos políticos e por eleições diretas e quando ainda se acreditava que o povo (no caso o povo das artes...) unido jamais seria vencido.
Também políticos, jornalistas, escritores, intelectuais das mais variadas atividades e de tendências diversas, desde que contra os militares, passaram por ali e estiveram ao lado de Ruth.
Seria o caso de algumas dessas pessoas, muitas delas excelentemente posicionada na vida, seja política ou financeiramente, solidarizarem-se com quem teve um passado tão intenso e importante para a cidade e o país.
Para que ele tenha ao menos um pouco mais de dignidade no que resta de sua vida.
Seria um último aplauso a esta atriz...
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