quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Transgênicos: A biodiversidade transformada em mercadoria, entrevista com Larissa Ambrosano Packer

Via EcoDebate
26.10.2011

“Os agricultores, há 10 mil anos, desde a revolução agrícola, vêm melhorando sementes de forma coletiva, histórica, selecionando e reutilizando sementes para a safra seguinte. Mas a Monsanto, a Bayer e a Syngenta se apropriam desse material genético com algumas modificações feitas em laboratório e, a partir daí, os países optam por remunerar as inovações vindas dos laboratórios em detrimento das inovações feitas há 10 mil anos pelos agricultores”. A reflexão é da advogada Larissa Ambrosano Packer, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Sobre a questão dos transgênicos, ela coloca que os direitos dos agricultores vêm sendo ofendidos e que “falta quase tudo para a implementação da Constituição Federal e para a implementação dos direitos dos agricultores”.

Larissa Ambrosano Packer, advogada da Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos, é mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que falta para que os direitos dos agricultores ao livre uso da biodiversidade se tornem realidade concreta no Brasil?

Larissa Ambrosano Packer – O direito dos agricultores ainda não foi regulamentado pelo Brasil. Na década de 1990, o país optou por regulamentar os mecanismos de proteção intelectual ou a privatização da biodiversidade. Temos aqui a primeira lei de biossegurança que autoriza a comercialização de transgênicos. Depois tem a lei de propriedade industrial, que autoriza a patente de transgênicos. Primeiramente, autoriza-se a circulação da semente transgênica como mercadoria e, depois, autoriza-se a privatização da propriedade intelectual desta semente. Qualquer um que queira plantar a semente transgênica tem que pagar uma quantia para aquele que melhorou essa semente. Depois disso veio a Lei de Proteção de Cultivares , que autoriza uma taxa tecnológica para a proteção das sementes. Isso tudo é decorrente da implementação dos mecanismos da Organização Mundial do Comércio – OMC, que passa a enxergar nos seres vivos também possibilidades de privatização. Os agricultores há 10 mil anos, desde a revolução agrícola, vêm melhorando sementes de forma coletiva, histórica, selecionando e reutilizando sementes para a safra seguinte. Mas a Monsanto, a Bayer e a Syngenta se apropriam desse material genético com algumas modificações feitas em laboratório e, a partir daí, os países optam por remunerar as inovações vindas dos laboratórios em detrimento das inovações feitas há 10 mil anos pelos agricultores. O que se tem de direito dos agricultores hoje em âmbito internacional? Dois tratados: a convenção da diversidade biológica, que reconhece as comunidades tradicionais como portadoras de conhecimentos ligados ao uso da biodiversidade; e o tratado internacional sobre os recursos fitogenéticos para a alimentação e agricultura. Esse tratado, embora o Brasil tenha ratificado a convenção, ainda não está regulamentado no país. Qual é a grande consequência disso: a aprovação dos transgênicos no Brasil e o controle da cadeia agroalimentar por cerca de seis empresas. O preço dos alimentos no Brasil passa a ficar à mercê da “comoditização” desse controle. E os direitos dos agricultores vêm sendo ofendidos ao longo desse período. Falta quase tudo para a implementação da Constituição Federal e para a implementação dos direitos dos agricultores.

IHU On-Line – Quais os principais danos causados pelos organismos transgênicos em diferentes esferas, do agricultor ao consumidor? Quais seriam as vias jurídicas para que esses danos sejam revertidos?

Larissa Ambrosano Packer – A avaliação de risco da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio não está dentro da legalidade. Há uma norma, a RN5, que regulamenta o Protocolo de Cartagena no Brasil e que propõe vários critérios para se fazer a avaliação de risco sobre os alimentos transgênicos. É preciso acompanhar por três gerações os efeitos daquele alimento ou daquele grão, e fazer testes no animal prenhe para ver se tem algum efeito sobre o feto. Enfim, são alguns testes que devem ser feitos em animais para saber se haverá implicações daquela modificação genética para a saúde dos seres humanos e dos animais. Da mesma forma, é preciso fazer estudos de impacto ambiental para ver se aquele gene causará alguma modificação genética nos polinizadores, nos insetos que têm contato com a planta que foi geneticamente modificada. E isso a CTNBio não está conseguindo realizar. Para que se consiga efetivamente viabilizar o princípio da precaução no Brasil de acordo com os impactos ao meio ambiente e à saúde, precisamos que a comissão da CTNBio cumpra com o exigido em lei. Ou o governo brasileiro toma uma decisão política de realmente fazer com que as normas sejam cumpridas ou o Brasil, infelizmente, irá optar por interesses econômicos das transnacionais em lugar dos interesses coletivos da população. Continua