Tem sentido, hoje, dizer de alguém
que tem excelente caráter? Que é
sincera? Que nela dá para confiar?
Quais as qualidades mais valorizadas nos dias de hoje?
Bem, como tudo mudou, vou falar de algumas, as que dão mais ibope, e não pela ordem.
É preciso ser ligado, antenado e sobretudo bem informado; é aquele que presta atenção a tudo, a quem nada escapa.
Com esses predicados, é possível abrir as portas para uma carreira brilhante e um futuro promissor, e se tiver também alguma inteligência, o sucesso é garantido. Afinal, é por meio das boas informações que são feitos os grandes negócios e as tramas políticas acontecem.
Mas é preciso também ser esperto para usar essas informações na hora certa, com a pessoa certa.
Esperteza, essa sim, uma enorme qualidade. Quem tiver esse dom pode se tornar milionário e poderoso, o objetivo supremo de toda a humanidade -de quase toda, digamos.
Cultura já esteve mais em alta, mas tem sua vez em algumas rodas, e conhecer profundamente um assunto -mesmo só um- costuma deixar as pessoas de queixo caído.
Mas não se esqueça: seja ele qual for, vá fundo e mostre-se um expert. Que seja algo de original: a civilização egípcia, por exemplo. Como poucas pessoas viram uma múmia de perto, esse é um belíssimo tema para ser jogado num jantar de seis pessoas -elas vão babar de admiração, e você vai brilhar sozinho.
Os mistérios do fundo do mar e a vida sexual dos cangurus também podem agradar, mas fuja da astrologia e da psicanálise, que já deram tudo o que tinham para dar. Astronomia, quem sabe? Vinhos, melhor beber do que falar deles, e de viagens, nem pensar.
Outra qualidade muito valorizada é a dos que leem os jornais -bem. Todos os do Rio e de São Paulo, claro, e talvez de mais uns quatro Estados. Mas tem que ser falado a sério, para poderem dizer, como quem não quer nada, que concordam -ou discordam, isso não tem a menor importância- com a divisão dos royalties do pré-sal.
Saber esgrimar com as palavras também faz grande sucesso, mas é perigoso: sempre pode haver alguém mais talentoso e ferrar você de vez.
Mas quando quiser falar mal de alguém, seja irônico -é mais cruel, não compromete, não dá processo- e nunca diga nada que possa ser repetido: fale bem, mas usando tons de voz e sorrisinhos que vão arrasar, de vez, aqueles de quem você não gosta.
Mas um dia você se lembra de que há muito, muito tempo, existiam qualidades bem diferentes dessas, e que hoje não fazem o menor sucesso. Tem sentido, hoje em dia, dizer de uma pessoa que ela tem um excelente caráter? Que é sincera? Que nela você pode confiar? Se você gosta de verdade dela, é melhor ficar calado, pois pega até mal dizer essas coisas de um amigo.
E existem ainda outras de que não se ouve falar há tanto tempo, mas tanto, que já virou até coisa de época. Passa pela cabeça dizer que uma pessoa é sensível, terna, delicada, bem educada, que tem um grande coração? Pega até mal; e passa pela sua cabeça que uma pessoa é bondosa?
Procure lembrar há quantos anos você não ouve falar de um gesto de bondade, não recebe um olhar de bondade, não ouve nem pronuncia a palavra bondade -se é que isso ainda existe.
Se não souber do que se trata, procure no dicionário, e talvez encontre; talvez.
danuza.leao@uol.com.br
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Ele foi publicado hoje (09.10.2011)
na Folha.com