sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Vida pedestre

Via Época
Por RUTH DE AQUINO
14/10/2011

A morte sobe à calçada em carros potentes e desgovernados, dirigidos por irresponsáveis

Rosany Calazans foi casada com Rudolf Lessak por duas décadas. Ela tem 49 anos e acorda tarde, às 9 horas. Ele tinha 80 anos, acordava às 6 horas da manhã, era faixa preta de judô, fazia trilha e natação, tinha 1,92 metro de altura e 90 quilos. Ele está no passado porque se foi abruptamente deste mundo quando caminhava na calçada com a mulher, no Itanhangá, perto do condomínio Floresta, um lugar muito verde no Rio de Janeiro, para onde o casal se mudara havia nove anos em busca de sossego.

Uma picape Nissan Frontier 4x4 subiu a calçada e capotou, arremessando Rudolf a quase 10 metros de distância. Ele morreu na hora. Seu corpo salvou sua mulher. Rosany caiu sem respirar direito, mas as dores físicas já passaram. A dor da alma é que não passa. O carro, quase um trator, de 2 toneladas, atingiu seu marido pelas costas, virou de lado e encalhou fumegante. A avenida é uma reta. A velocidade máxima permitida, 40 quilômetros por hora.

Juliana Vilela, de 26 anos, morena bonita de cabelos compridos, dirigia o Nissan Frontier de R$ 80 mil que pertence ao pai, militar da Marinha. Ela não tem carteira de habilitação. Eram 8h30 de uma manhã ensolarada no domingo passado, Juliana estava vestida com minissaia curta preta, blusa escura e salto alto. Saiu do carro sem ferimento. Telefonava freneticamente no celular, não para chamar os bombeiros ou a ambulância, mas para avisar mãe, irmão, amigos. Perguntou a testemunhas: “Morreu alguém?” Quando confirmaram, Juliana jogou o sapato no carro e saiu correndo descalça para o condomínio em que mora com os pais.

“Ela está fugindo”, Rosany escutou. E correu atrás da atropeladora. Juliana entrou no prédio e voltou ao local do acidente de figurino matinal: shortinho, camisa listrada e chinelo baixo. Só sete horas depois, na 32ª DP, da Taquara, Juliana se submeteu a “um exame clínico para constatação de embriaguez”. Não passa de um teste de reflexos e equilíbrio. Ela fez o “quatro”, abaixou, levantou. Deu negativo. É brincadeira. Só no Brasil. Não é preciso ser médico para saber que esse exame não prova nada após sete horas. Já para o delegado que preside o inquérito, Mauricio Mendonça, “depende do organismo de cada pessoa”. Ah, sim. Como anda mesmo a Lei Seca no Rio? Continua