quinta-feira, 5 de setembro de 2013
Meio ambiente pode influenciar cultura e genética
JC e-mail 4805, de 04 de Setembro de 2013.
Meio ambiente pode influenciar cultura e genética
Geneticista israelense discute relação entre características ambientais e a evolução humana
Eva Jablonka, de 61 anos, é uma das pioneiras no estudo da epigenética - teoria segundo a qual o meio ambiente também pode alterar o material e a herança genéticos. Eva é autora de "Evolução em quatro dimensões - DNA, comportamento e a história da vida" (com Marion Lamb, publicado pela Companhia das Letras em 2009), que causou polêmica ao discutir a impressão molecular de características ambientais e sua transmissão hereditária. Ela vem ao Rio para dar o curso "A síntese evolutiva expandida: evolução em quatro dimensões" (de 30 de setembro a 4 de outubro), na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
A senhora propõe uma espécie de reforma no darwinismo. Por quê?
Durante o século XX o darwinismo foi associado à genética moderna, a mendeliana. Por algum motivo, o momento que Darwin dizia que parte das variações genéticas podem ser adquiridas do meio ambiente foi suprimida. De acordo a genética mendeliana, temos certos componentes ou determinantes que herdamos de geração em geração e o que acontece conosco durante a vida não os influencia. Enfim, tudo o que acontece na vida não é relevante em termos genéticos para a próxima geração. A evolução acontece apenas pela seleção natural, de erros e acertos aleatórios.
O que mudou?
Há uns 30 anos, começamos a entender certos fenômenos, os chamados mecanismos epigenéticos, que possibilitam mudanças no status dos genes: não ativo, um pouco ativo, medianamente ativo e muito ativo. Certas situações do meio ambiente influenciam essas mudanças e isso pode passar de geração em geração. Se você toma muito sol, por exemplo, sua pele fica mais escura. Mas isso pode, no final das contas, afetar os gametas (células sexuais) e causar falhas no DNA de transmissão hereditária.
Então é possível influenciar a genética das próximas gerações?
Sim. No caso dos seres humanos, a gente sabe que há situações que passam de geração em geração. Pegue, por exemplo, pessoas que passaram por uma situação de fome crônica. Isso influencia na condição fisiológica de seus genes e é passado hereditariamente.
Há exemplos reais?
Há vários. Na Segundo Guerra Mundial, por exemplo, os nazistas fizeram um cerco a Amsterdã. Não deixaram comida passar por meses. As pessoas comiam algo em torno de 600 calorias por dia. Depois que o cerco e a guerra acabaram, pesquisadores acompanharam o que aconteceu com as crianças que nasceram depois. Elas não nasceram doentes, mas apresentaram maior tendência a morrer de problemas do coração e a ter diabetes e esquizofrenia. A conclusão é que temos que ser responsáveis por nossas vidas se quisermos ter filhos saudáveis.
Como a cultura pode afetar a genética?
Há muitos genes que levam à surdez. Um deles, quando é herdado do pai e da mãe, leva à surdez. Há 200 anos, antes do desenvolvimento da língua dos sinais, os surdos eram considerados deficientes mentais. Muitas vezes não casavam, não tinham filhos. Mas, com a linguagem dos sinais, ficou claro que não tinham deficiências mentais, o que ampliou suas relações sociais, em geral com pessoas que dominam essa linguagem. Muitos se casaram e tiveram filhos. Em consequência, o número de pessoas com esse gene aumentou. Devido a uma mudança cultural, o padrão de transmissão de uma mutação foi alterado. Houve uma mudança genética.
Tendências emocionais e comportamentais também poderiam ser herdadas?
Numa experiência em laboratório, os pesquisadores selecionaram ratos com uma mutação que leva a problemas de memória. Colocaram-nos num meio ambiente muito rico em estímulos e entretenimento. Verificaram como os ratinhos superaram problemas associados à mutação e aprenderam normalmente. Os filhotes deles também. Quer dizer, coisas positivas também podem ser passadas aos filhos. É por isso que falamos em quatro dimensões de herança: a genética, a epigenética, a comportamental e a da linguagem. Quando tentamos entender fenômenos na espécie humana, não podemos separar o que é genético do que é social. Está tudo interligado.
(Daniela Kresch/O Globo)
http://oglobo.globo.com/ciencia/meio-ambiente-pode-influenciar-cultura-genetica-9812385#ixzz2dw1CsmKm