quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Resistência à ciência ganha espaço na política americana


JC e-mail 4814, de 17 de Setembro de 2013.
Resistência à ciência ganha espaço na política americana


Folha reproduz artigo de Peter Catapano do "New York Times"

O estrategista republicano Karl Rove causou polêmica ao declarar à "New York Times Magazine" em 2004 que os oponentes das políticas do então presidente George W. Bush eram parte de uma "comunidade baseada na realidade", amparando suas ideias acerca da verdade no "estudo judicioso da realidade discernível". Isso poderia soar razoável, mas Rove se referia a isso como algo negativo. "Somos um império agora. Quando agimos, criamos nossa própria realidade."

O apelo de Rove pela "verdade fabricada" foi surpreendentemente popular. Os resultados da sua antifilosofia já estão inscritos na história.

Passados quase dez anos e duas eleições de Obama, os americanos certamente devem ser uma nação escarmentada e com mais apreço pelos fatos, certo? Aparentemente não.

A ciência, que por meio da observação, da tentativa e do erro reúne fatos irrefutáveis ao longo do tempo, continua a ser menosprezada. A culpa disso não pode ser atribuída à era Bush. Adam Frank, professor de física e astronomia na Universidade de Rochester, em Nova York, observou que estudos feitos desde a década de 1980 mostram que a resistência à ciência já estava instalada naquela época.

Frank citou uma pesquisa do Gallup que monitorou a crença no criacionismo -teoria segundo a qual Deus criou os humanos em algum momento nos últimos 10 mil anos, algo que é facilmente refutado por uma visita a qualquer museu de história natural. Em 1982, 42% dos americanos acreditavam no criacionismo. Em 2012, a cifra era de 46%. Há uma resistência similar à ciência quando se trata da mudança climática ou da segurança das vacinas, embora décadas de dados confiáveis mostrem uma realidade diferente.

"Embora seja transparentemente não científica, a negação da evolução se tornou um teste ideológico para alguns políticos conservadores, mesmo nos mais altos escalões", escreveu Frank no "Times". Ele lamenta que seus alunos estejam sendo colocados em um mundo no qual "é politicamente efetivo e socialmente aceitável negar um fato científico".

Mas não é só na batalha entre ciência e religião que versões conflitantes da realidade se chocam. Em um recente ensaio no "Times", o filósofo Peter Ludlow analisou as atividades de várias empresas particulares de inteligência contratadas habitualmente por corporações americanas. Hackers que tornaram públicos alguns e-mails dessas empresas revelaram esquemas para criar personalidades e documentos falsos que desacreditassem seus críticos e influenciassem a opinião pública.

"Isso pode soar mais como uma fantasia tipo 'Matrix', mas é distintamente real", escreveu Ludlow, "e lembra sob certos aspectos o emprego das 'psyops' [operações psicológicas], as quais, como sabe a maioria dos que estudam a história americana recente, é há décadas parte da estratégia militar da nação".

Mas, se os EUA estão contando com a educação para resolver essa questão, o país pode estar em apuros. O "Times" relatou recentemente que o índice de conclusão do ensino médio nos EUA caiu de 80% em 1980 para 74% hoje. O jornal noticiou também outra estatística preocupante: os EUA, que costumavam ser líderes mundiais em conclusão do ensino superior, caíram agora para a 16ª colocação.

"Embora a ciência e a engenharia tenham avançado enormemente, a educação da maior parte dos cidadãos dos Estados Unidos não acompanhou isso", escreveu um leitor do "Times" em resposta ao artigo. "A maioria das pessoas não é capaz de realmente compreender os mais recentes avanços científicos e está distante de poder utilizá-los. As pessoas não se importam com, nem mesmo temem, aquilo que elas não entendem."

(Folha de S.Paulo)