Por Merval Pereira
03.02.2011
A onda de revolta que está abalando os países árabes está também colocando em discussão a complacência com que as maiores potências ocidentais lidam com os ditadores da região, a pretexto de prevenir a ascensão de governos radicais islâmicos. Nas ruas do Egito ou da Tunísia, ou da Jordânia, ou do Iêmen, os protestos encontram ressonância numa juventude que aparentemente nada tem de radical e se espelha nas democracias ocidentais, ajudada por uma rede de relacionamento social que não tem fronteiras no Facebook ou no Twitter.
Também começa a tomar corpo, nos meios políticos e intelectuais de países como a França, a ideia de que não há mais condições de aceitar apoiar governos que não levem em consideração os direitos humanos como valor universal.
O editorial do “Le Monde” de ontem, por exemplo, vai direto ao ponto: “É preciso chamar um ditador de ditador”, é seu título, que reflete esse debate que se instala nos países responsáveis pela sustentação política de ditaduras como as de Mubarak no Egito.
Diz o jornal francês: “Por ter se recusado a apontar publicamente a natureza do regime tunisiano — uma cleptocracia brutal — a França pagará um preço na Tunísia do futuro. Por ter sustentado o regime de Hosni Mubarak, os Estados Unidos estarão na defensiva no Egito de amanhã”.
Os jornais estampam, cheios de culpa, as mansões que a família Ben Ali tem na França, em especial o “hotel particulier” no 16 distrito, ou a da família Mubarak em Londres, como já o fizeram com vários outros ditadores nos últimos anos, provas da leniência com que têm sido tratados nos últimos anos pelos governos europeus e dos Estados Unidos.
Há uma especulação de que o presidente americano Barack Obama poderá aproveitar a ocasião para reafirmar a política de direitos humanos que foi implantada pelo ex-presidente democrata Jimmy Carter, retirando dos republicanos radicais a bandeira de criticar a relação do governo com ditaduras árabes ou a China.
O novo governo brasileiro, por seu turno, está assumindo uma posição de acordo com essa tendência internacional, que deve se aprofundar dependendo do desfecho da revolta popular no Egito.
A proposta oficial brasileira para que a ONU passasse a tratar os países que violam os direitos humanos com mais condescendência, evitando críticas públicas aos regimes autoritários, não foi levada em consideração por aquele organismo internacional e, pelo visto, será abandonada pela nova gestão do Itamaraty, embora o chanceler Antonio Patriota, como secretário-geral da antiga administração, não possa ignorar a iniciativa. Continua