sábado, 26 de fevereiro de 2011

“A poluição mata mais em São Paulo que AIDS e tuberculose somadas”

Via Ecocidades
Por Luana Caires
24.02.2011

No Brasil, 80% da população está nas áreas urbanas, mas os efeitos da falta de políticas ambientais e do crescimento desordenado das metrópoles na saúde dos seus habitantes ainda são pouco discutidos. Tentando mudar essa realidade, o Instituto Saúde e Sustentabilidade lança o livro Saúde e Meio Ambiente: o desafio das metrópoles. O Ecocidades conversou sobre esse assunto com o coordenador da obra, Paulo Saldiva, professor titular de Patologia da Faculdade de Medicina da USP e membro do Comitê da OMS que definiu os novos padrões de qualidade do ar. Na área metropolitana de São Paulo, estima-se um excesso de 7 mil mortes por ano decorrentes de problemas causados pela poluição do ar – número maior do que os de AIDS e tuberculose somados. O livro será lançado nesta sexta-feira, 25 de fevereiro, em São Paulo*.

Como surgiu a ideia de lançar o livro?

Esse projeto do Instituto Saúde e Sustentabilidade pretende reunir em um só lugar informações de múltiplas fontes, para permitir às pessoas se inteirarem sobre o tema. A ideia era pegar os milhares de trabalhos científicos que estudam o efeito das condições de vida nas megacidades sobre a saúde. Isso engloba falar sobre ilhas de calor, o perigo de morar em regiões com riscos de inundações e deslizamentos e a política de formar cidades cada vez menos compactas – o que obriga a construção de uma enorme infraestrutura de mobilidade e de fornecimento de água e esgoto. A ideia era traduzir isso em uma obra clara, para quem não tem formação técnica no assunto e que oferecesse uma visão global dos problemas. Queremos que os cidadãos vejam essa fotografia. No momento em que a discussão é trazida para perto das pessoas, elas se interessam.

Nesse trabalho são abordados problemas principalmente de São Paulo. Por quê?

Nós escolhemos São Paulo primeiro por ser uma megalópole que teve um crescimento desordenado e, segundo, por contarmos com bom um banco de dados sobre ela. Cada grande cidade tem seu diagnóstico particular e complexo. Aqui a velocidade do trânsito é baixa, as ilhas de calor estão preservadas, o nível de poluição está demonstrado. Todo mundo sabe o que faz mal e o remédio não é tomado. Depois, gostamos de São Paulo e queremos melhorá-la. É muito fácil gostar da Gisele Bündchen, ela não precisa nem abrir a boca… O duro é você gostar de São Paulo, que tem muito problemas e nenhuma beleza natural evidente.

Se o remédio é conhecido, por que não é usado?

Os interesses econômicos dentro da cidade de São Paulo são muito poderosos. É o lugar onde um quarto do combustível do Brasil é vendido, é onde se encontram as sedes dos maiores grupos financeiros e é onde, digamos, a polêmica entre a aparente divisão entre desenvolvimento e sustentabilidade ocorre com maior intensidade. Existem soluções para tudo, você pode facilmente colocar combustível limpo na frota de São Paulo. Ou poderíamos pegar a Avenida Paulista e dividi-la em duas metades, com corredores exclusivos para ônibus, como fez o prefeito de Bogotá. Mas também existe um problema cultural. As pessoas ainda estão esperando uma solução milagrosa, uma solução tecnológica. E sozinha a solução tecnológica não vai resolver. É preciso mudar hábitos. Se isso não acontecer, os gestores terão que tomar medidas muito impopulares. Imagine o dia em que utilização de automóveis na Paulista for restringida. Acho que vai ter uma forte campanha contra. E o prefeito que fizer isso não vai se eleger mais para nada, nem para síndico de prédio. Ninguém em sã consciência vai tomar medidas que comprometam para sempre o seu futuro político. Continua