quinta-feira, 5 de julho de 2012

Carta aberta sobre o uso do mercúrio nos garimpos de ouro


JC e-mail 4532, de 04 de Julho de 2012.
Carta aberta sobre o uso do mercúrio nos garimpos de ouro


Texto assinado por Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia e vice-presidente da SBPC, e por Vera Silva, conselheira do Museu da Amazônia foi encaminhado ao governador do Amazonas e aos ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Meio Ambiente e da Saúde. Confira a íntegra da carta abaixo.

Exmo Sr Omar Aziz
Governador do Estado do Amazonas

Manaus 2de julho de 2012

Temos notícia que através de resolução 011-2012 da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável está sendo autorizado, sob condições restritivas, o uso do mercúrio nos garimpos de ouro.

Alega-se em defesa da regulamentação que a manipulação do mercúrio não poderá ocorrer com perdas de substância para o meio ambiente ou de inalação de gases pelos garimpeiros. Promete-se, na resolução, uma fiscalização severa.

Desejamos alertá-lo, Sr. Governador, que o mercúrio é considerado metal extremamente tóxico - fato que não é mencionado na resolução 011 - seu uso tem sido reduzido na maioria dos países e, em muitos, a restrição é total. A Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Trabalho determinaram índices de tolerância para sua presença nos organismos humanos e severas normas que limitam o seu uso e manipulação.

O mercúrio tem a particular propriedade de se acumular nos organismos dos peixes e das pessoas que o ingerem e sem a capacidade fisiológica de eliminá-lo as taxas de concentração no organismo se elevam velozmente.

Pesquisas realizadas nos últimos cinquenta anos, particularmente após o grave acidente de Minamata ocorrido no Japão em 1956, demonstram que a tolerância à ingestão de mercúrio é de 0,0005g/kg. A partir desse limite podem ocorrer sérios distúrbios neurológicos, perda de acuidade visual, malformação de fetos e demência.

Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isto não pode custar a liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente, que já ocorre em quantidades acima do tolerável e poderá ocorrer em volume muito maior. O preço para a saúde do povo amazonense é muito alto.

As garantias de rigoroso controle expressam a melhor das intenções, mas é difícil convencer-se que de fato serão eficazmente implementadas. Nossas dúvidas e incertezas sobre os teores tóxicos de mercúrio já presentes nos peixes amazônicos aumentarão com a aprovação da mencionada resolução normativa.

Condena-se toda a população da Amazônia a sofrer em sua saúde as consequências do interesse econômico de uma parte dela. Os garimpeiros têm todo o direito de exercer sua profissão e dela extrair sua renda, mas esta não pode ser exercida às custas de danos irreversíveis à saúde de todos, inclusive dos próprios garimpeiros.

Trata-se da quebra de um compromisso ético fundamental, que o Estado deve defender e praticar: não se pode causar mal a todos para atender a interesses de alguns, mesmo que isso ocorra com o objetivo de implementar políticas publicas voltadas à regulação e controle de atividades ilegais.

Afinal não é dado a cada cidadão o direito de escolha se quer ou não se intoxicar com mercúrio. Ao ensejar a contaminação de alimentos que não são diariamente controlados ele é obrigado a ingerí-los sem opção de recusá-los. Por outro lado, a opção de não mais consumir peixe prejudicará o sistema de segurança alimentar do Estado e a comunidade dos pescadores.

É nosso dever cívico informá-lo do grave equívoco que está sendo cometido por sua administração, ele poderá favorecer a ocorrência de desastres ambientais com danos à saúde da população de grandes proporções como os que ocorreram em 1988 em Goiânia com o Césio radioativo ou em Minamata com o próprio mercúrio.

Temos notícias, Sr Governador, que existem métodos de separação do ouro nos garimpos que não precisam utilizar o mercúrio. Tecnologias limpas que fazem uso do cianeto, experimentadas com sucesso nos últimos anos em garimpos do alto Tapajós. Essas tecnologias se encontram disponíveis, podem ser aperfeiçoadas e já estão adaptadas às condições amazônicas.

Colocamo-nos a seu dispor para apresentar estas alternativas se assim considerar útil ou se sua assessoria persistir em desconhecê-las.

Certos de que contaremos com sua atenção e que medidas reparatórias serão estudadas e implementadas para evitar danos maiores à economia e à saúde da população do Amazonas e estados vizinhos,

Subscrevemos atentamente

Ennio Candotti
Diretor do Museu da Amazônia

Vera Silva
Conselheira do Museu da Amazônia




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