sábado, 7 de julho de 2012

Kit reduz custos para detectar mercúrio em peixes e efluentes industriais
Método Allegra Viviane Yallouz

Via FAPERJ
Por Vilma Homero
26/07/2007

Na região aurífera de Itaituba, no Pará, peixe é parte importante do cardápio diário. Mas o uso constante de mercúrio naquela área de garimpo é também um risco freqüente de contaminação dos rios e do próprio pescado usado para consumo humano. Para monitorar a concentração do metal e verificar a qualidade do pescado da região, o laboratório da Escola de Trabalho e Produção da cidade adotou o uso de um kit alternativo de baixo custo, fácil manutenção e operação simples. Assim, pode-se prevenir casos de envenenamento, como o que tornou tristemente célebre a comunidade japonesa de Minamata.

O método criado pela pesquisadora Allegra Viviane Yallouz, do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), instituto do Ministério da Ciência e Tecnologia, situado na Cidade Universitária, Ilha do Fundão, foi desenvoldido durante o período de sua tese de doutorado, no Departamento de Química, da PUC-Rio, e mais tarde aprimorado e difundido pelo Cetem. Oferecendo resultados aproximados, ou semiquantitativos, ele pode ser levado a diferentes localidades, mesmo as mais distantes, inclusive universidades e centros de pesquisa. A técnica tradicional, ao contrário, dá resultados exatos mas exige laboratório com equipamentos importados, que geralmente só existem nos grandes centros urbanos do país, o que dificulta o monitoramento em comunidades como a própria Itaituba, no interior paraense. Com apoio do edital Rio Inovação II, uma parceria da Finep com a FAPERJ, a pesquisadora quer, dentre outras ações, difundir a técnica por todo o país, num programa em larga escala de prevenção à contaminação por mercúrio.
Conhecido como método Allegra, ele é uma opção ao procedimento tradicional porque pode ser executado em praticamente qualquer laboratório. Específico para a determinação semiquantitativa de mercúrio, essas facilidades permitem sua difusão e aplicação em regiões que necessitem de freqüente vigilância ambiental, como é o caso dos garimpos; no acompanhamento de processos de descontaminação de resíduos e efluentes; e no diagnóstico preliminar de intoxicação de trabalhadores expostos ao vapor desse metal, além de ser bastante útil para prevenção de intoxicação por peixe contaminado em programas de segurança alimentar.

"O mercúrio é uma substância não degradável, de absorção cumulativa que costuma levar de 15 a 20 anos, para que os efeitos de sua contaminação sejam percebidos. A principal via de intoxicação, no caso do metilmercúrio, se dá através dos alimentos, particularmente, o peixe. Trata-se de um problema de saúde pública de longo prazo", diz Allegra. Ela explica que a dificuldade maior é que, o mercúrio no Brasil, é usado principalmente na atividade garimpeira e as áreas poluídas por esse metal são locais de difícil acesso, em que vivem populações de baixa renda e onde a principal fonte de proteínas é o peixe. "A Amazônia é o foco principal, embora o problema também exista em garimpos no Centro-Oeste e na região do Paraíba do Sul, entre Itaocara e São Fidélis", diz Allegra.

O método também pode ser aplicado em programas de avaliação contínua da qualidade de pescado para consumo interno ou para exportação. Foi exatamente o que levou a empresa Gomes da Costa a introduzi-lo em sua linha de controle de qualidade de matéria-prima. A medida foi adotada depois que a União Européia, que exige selo de garantia para a exportação de peixes e derivados, ameaçou suspender a aquisição de produtos da América Latina, em 2006.

Como o objetivo da equipe do Cetem é buscar a difusão do método, estão sendo mantidos contatos com o Ministério da Agricultura, que tem um programa nacional para monitoramento de resíduos. Da mesma forma, a pesquisadora tem buscado firmar parcerias com escolas técnicas e universidades para maximizar a divulgação das possibilidades do kit. Subdividido em três fases: pré-tratamento (parte do tecido é dissolvido em um tipo de solução para liberar o metal nele contido), determinação (a reação de complexação é feita) e comparação visual (refina o resultado, comparando com padrões de concentração conhecida).

O método dá como resultado a faixa de concentração da amostra, que se torna visível por respostas colorimétricas em papéis detectores. Ou seja, quanto mais escura a cor do papel, maior a concentração de mercúrio da amostra. Entre 300 e 600, o material é considerado impróprio ao consumo freqüente de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde. "O resultado por faixa de concentração é suficiente para se determinar a qualidade do produto para consumo humano, não havendo, nesses casos, necessidade de um resultado exato", explica.

Antes de chegar ao homem, o mercúrio
contamina águas, plantas e peixes dos rios

(Divulgação Cetem)
Peixes carnívoros, por exemplo, detêm em sua carne maior teor de mercúrio que os não-carnívoros. "Assim, nas regiões com problemas de contaminação, podemos orientar as populações ribeirinhas a consumirem os não-carnívoros, como o tambaqui e o pacu, em vez de carnívoros, como o atum, dourado, filhote e tucunaré, que, embora mais apreciados, oferecem maior risco", diz Allegra. Hábitos alimentares que podem ser orientados e acompanhados por agentes comunitários, especialmente treinados para proceder ao teste e atuar nessas situações.

"É preciso consolidar a difusão do método. Foi justamente o que fizemos em Itaituba. Com o apoio da FAPERJ, instalamos o kit na escola técnica local e demos treinamento intensivo a representantes das Secretarias de Saúde e Meio Ambiente do município, da Associação de Mineradores de Ouro do Tapajós e profissionais da própria escola. Até outubro, eles devem passar esse conhecimento num curso para agentes comunitários. Dessa forma, o método se torna uma ferramenta cuja utilização pode ser multiplicada para um número maior de pessoas, num programa de monitoramento contínuo da qualidade do pescado da região", anima-se.

Para ampliar essa difusão, a pesquisadora vem procurando fechar parcerias com universidades e escolas técnicas e vem participando de eventos que possam servir à divulgação do método. Em 2003, por exemplo, ela esteve participando de projeto internacional da Unido, a Organização para o Desenvolvimento Industrial, da ONU, para diagnóstico de duas áreas em diferentes partes do mundo: na cidade de Itaituba, onde a equipe da pesquisadora teve o primeiro contato com a comunidade local, e em Manado, uma região da Indonésia onde o Cetem também atuou . Os dois métodos foram utilizados: o tradicional, e, em seguida, o método alternativo. Nas duas comunidades, além de instalação do kit, houve treinamento específico de profissionais locais.

"Além do projeto na Indonésia e no Brasil, o coordenador do projeto da Unido também adquiriu seis kits para uso em países em desenvolvimento: Laos, Zimbabwe, Sudão e Tanzânia e mais dois entregues no Brasil (Secretaria de Meio Ambiente do Pará, em Belém) e na Indonésia. Até agora, só recebi notícias do Sudão, onde o método tem sido usado precariamente devido à falta de reagentes", fala. Apesar disso, a pesquisadora continua na expectativa de ter maior retorno dos resultados nesses países. "Até porque as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) orientam aos países a adotar medidas preventivas para controlar possíveis focos de contaminação por mercúrio", diz.

A questão é evitar uma repetição de Minamata, no Japão, onde os resíduos de uma fábrica de plastificantes local contaminou as águas de uma comunidade pesqueira, nos anos 1950, deixando graves conseqüências para a população. Centenas de seus habitantes começaram a sofrer sérias deformidades físicas e mentais pelo envenenamento com mercúrio, o que chamou a atenção das autoridades e da imprensa internacional para o caso. Quando esteve na região, em 2001, Allegra ouviu de representantes da população que o que eles mais desejam, ainda hoje, é que o drama japonês sirva de exemplo para que se procure a todo custo evitar a repetição de desastre semelhante em qualquer lugar do mundo.