16.04.2014
Pesticida que melhor protege as plantações é o mesmo que afeta os insetos necessários para a polinização. Ambientalistas lutam por controle ambiental mais rigoroso
RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br
As abelhas estão no centro de uma disputa judicial nos Estados Unidos. Ambientalistas e apicultores entraram com uma ação contra a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) do país, exigindo que o órgão crie um registro dos agrotóxicos que provocam danos aos insetos. O alvo do grupo são os neonicotinoides, uma potente classe de pesticidas, cuja fórmula conta com nicotina sintética.
Os neonicotinoides são mais eficientes do que outros agrotóxicos no controle de pragas, mas cobram um preço alto. Eles afetam o sistema nervoso de insetos polinizadores, o que restringe sua área de atuação e, assim, o rendimento de diversas culturas. Resíduos de agrotóxico foram encontrados em culturas de girassol, algodão e milho, onde há uma grande presença de abelhas.
Um movimento semelhante ao que chega à Corte americana ocorreu do outro lado do Atlântico. Em janeiro, a Comissão Europeia sugeriu que seus Estados-membros restringissem o uso de agrotóxicos prejudiciais às abelhas.
Nem todos os governos adotaram a medida à época, mas a pressão é tamanha que, duas semanas atrás, deputados do Reino Unido reivindicaram que o país também protegesse seus insetos. A Comissão de Meio Ambiente do Parlamento britânico assegura que pelo menos 60% das espécies do inseto tiveram sua população reduzida.
O documento poderá provocar no Reino Unido, a partir do dia 1o de janeiro do ano que vem, a moratória sobre pesticidas envolvidos com o sumiço das abelhas.
Outro ataque aos químicos foi disparado pela Conservação de Aves Americanas (ABC, na sigla em inglês), que contratou Pierre Mineau, um dos toxicologistas mais conhecidos do mundo, para compilar 200 estudos relacionados a neonicotinoides. Segundo ele, "um grão de milho revestido com o composto é suficiente para matar um pássaro".
Doutora em Agronomia pela Universidade Estadual de Londrinas, Michele Regina Lopes da Silva ressalta que a comunidade científica precisa aprofundar seus estudos sobre os efeitos dos neonicotinoides, tanto nas plantas quanto nos polinizadores.
- O mecanismo desencadeado por este pesticida na planta não é totalmente conhecido - diz. - Algumas produzem nicotina como forma de defesa, mas, quando a substância aparece pura, elas morrem. Com o neonicotinoide, o vegetal sobrevive porque seu mecanismo de defesa às pragas vem de apenas uma molécula de nicotina.
Além de alterar o funcionamento cerebral dos insetos, os pesticidas são solúveis em água. O spray, portanto, vai da planta para o solo, e de lá para sistemas aquáticos subterrâneos, onde sua composição química compromete outras formas de vida. Nos EUA, os níveis mais elevados de contaminação foram registrados na Califórnia. No entanto, alguns países europeus, como a Holanda, têm índices ainda maiores.
Discussão com indústria
Os efeitos dos neonicotinoides nas abelhas foram estudados por Christopher Connolly, diretor de Neurociências do Instituto de Pesquisas Médicas da Universidade de Dundee, do Reino Unido. - Esta classe de pesticidas provoca uma atividade no organismo da abelha que, ao chegar no cérebro, atrapalha seu poder de comunicação - explica. - Os insetos têm o centro de aprendizado enfraquecido. Muitos não conseguem aprender novas tarefas quando estão ao alcance desses compostos.
A ação dos neonicotinoides sobre os animais pode ter consequências para a disponibilidade de alimentos em todo o planeta:
- Se os insetos continuarem expostos a esta classe de pesticidas, haverá consequências na polinização da colheita - explicou. - A produção de alimentos pode se tornar cada vez mais difícil. As safras de frutas serão as mais afetadas.
A agência ambiental americana, segundo comunicado publicado em seu site, está fazendo "um novo exame para determinar a regulamentação de diferentes tipos de pesticidas, assim como o modo como as abelhas são expostas a eles". A EPA também pretende averiguar a toxicidade dos produtos químicos usando, além de seus próprios critérios, os adotados por países europeus.
Para Connolly, a polêmica não se resume a crucificar o pesticida, cujo papel no combate às pragas é incontestável. O que se deve discutir, segundo ele, é como adaptá-lo ou substitui- lo por um mecanismo que proteja as colheitas de pragas sem comprometer a atividade de outros seres vivos, inclusive aqueles importantes para a própria agroindústria.
- Será que a produção agrícola diminuiria sem os neonicotinoides? - questiona. - A indústria pode alegar que pesticidas alternativos seriam mais danosos ao ambiente. Enfim, é tempo de debater qual é o modo mais sustentável de lidar com esta questão.
O Globo, 16/04/2013, Amanhã, p. 8-9