JC e-mail 4909, de 11 de março de 2014
Sociólogo britânico Steven Yearley aponta os descompassos entre a política e a ecologia
Referência no estudo da sociologia ambiental, pesquisador cobra maior presença do ambientalismo no debate global e defende maior participação do público em pautas controversas
O diálogo entre a ciência e o social está no centro da trajetória acadêmica do britânico Steven Yearley. Professor de Sociologia do Conhecimento Científico na Universidade de Edimburgo e um dos expoentes do Science Studies (campo de pesquisa interdisciplinar que visa elucidar o funcionamento concreto da ciência e sua articulação com o resto da sociedade), o sociólogo é uma das principais referências no estudo das tensões entre ciência, ambientalismo e política - e as controvérsias e incertezas provocadas pelos descompassos entre estas diferentes esferas. Analisando a dinâmica científica dentro de uma ordem democrática, busca entender como se negociam decisões sobre temas que ainda não apresentam uma solução definitiva, como o aquecimento global e os organismos geneticamente modificados (OGM). Em entrevista à Revista Amanhã, Yearley lamenta a presença limitada do debate ambiental na agenda global, e defende uma maior participação do público em pautas polêmicas, que transcendem a área científica.
O meio ambiente está recebendo a atenção necessária no debate da globalização?
Acredito que a resposta seja não, o que é algo admirável. Por um lado, o movimento ambiental foi muito bem sucedido na promoção de uma consciência do ambiente global. O conhecido nome "Amigos da Terra", por exemplo, mostra como facilmente pensamos "a Terra" como parte de uma perspectiva ambiental. Mas o processo de globalização tem focado em mercado, comunicação e finanças. Até mesmo a globalização cultural tem sido mais discutida do que a globalização ambiental. Vejo aí uma ironia: já pensamos "o Planeta" como um objeto frágil, mas a globalização mainstream deixou esta imagem quase completamente fora dos seus discursos. Às vezes, é claro, as duas coisas se encontram. Aconteceu de forma surpreendente com a Organização mundial do comércio (OMC) e outras entidades, como o Tratado norte-americano de livre comércio (NAFTA).
Até agora, qual foi a importância de uma entidade como a OMC?
Quase todos os acordos ambientais (proteção da camada de ozônio ou o comércio de espécies ameaçadas de extinção, por exemplo) têm implicações para o comércio livre. Por isso, a OMC foi muitas vezes obrigada a considerar os direitos de comércio global em função das necessidades ambientais globais. Nem sempre o comércio foi colocado em primeiro lugar, mas é surpreendente para muitas pessoas a importância que a OMC passou a ter como um regulador ambiental.
Como a questão ambiental pode se tornar prioritária na agenda global?
É uma pergunta difícil, e os ambientalistas sofrem com ela há décadas. Tenho uma lembrança muito forte do início dos anos 1990, quando os ambientalistas viam esta década como a sua última chance de fazer algo a respeito da poluição do ar, aquecimento global, e conservação da biodiversidade. Mas o novo século chegou sem grandes realizações. Em muitos aspectos, o grande desenvolvimento dessa década não foi o surgimento de acordos ambientais, mas sim o surgimento da China (e, em certa medida, da Índia) como grandes potências econômicas e um enorme aumento da produção econômica mundial. A recusa do EUA em se inscrever em Kyoto e, em seguida, a rejeição de George W. Bush à ideia de que o Norte deve assumir a liderança decisiva sobre a mudança climática, marcou o fim de uma abordagem possível para o problema. Em meados da década de 2000, as emissões da China haviam ultrapassado as dos Estados Unidos e os membros do "clube" dos grandes poluidores se alterou de forma decisiva. Ainda estamos pesquisando um novo tipo de abordagem para os principais problemas ambientais globais - um que combine justiça e eficácia.
CONTINUA!