sexta-feira, 4 de maio de 2012
Código Florestal: Os joelhos de Isabel, artigo de Sergius Gandolfi
JC e-mail 4489, de 03 de Maio de 2012.
Código Florestal: Os joelhos de Isabel, artigo de Sergius Gandolfi
Sergius Gandolfi é professor doutor do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal, do Departamento de Ciências Biológicas, da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
A recente aprovação pelo Congresso Nacional de um "Novo Código Florestal" significa na prática a destruição premeditada do único patrimônio permanente do Brasil, ou seja, o próprio Brasil. Eu, você, o jovem, o velho, todos passaremos no tempo devido, só o País permanecerá. Mas, qual país permanecerá?
A terra que ontem foi, e hoje é deliberadamente lançada dentro dos rios pelo uso de técnicas agronômicas inadequadas, pelo desprezo para com a legislação que visa preservar o bem estar coletivo, de lá não sairá jamais! Pelo uso descuidado do solo, que gera erosão, e pela destruição das matas ciliares, muitos produtores rurais promovem soterramento de nascentes e rios que nascem ou cruzam suas propriedades, causando também a contaminação das águas com adubos e venenos.
De lá, esses danos ambientais se propagam para outros rios causando a poluição das águas, inundações em cidades e rodovias, o soterramento de represas de abastecimento público, de hidrelétricas, de portos, e muito mais. Mas, a nova lei premia e mantém tais práticas. De forma igual essa nova lei induzirá à destruição de mais florestas e de sua biodiversidade, que serão convertidas em áreas de pecuária ou agricultura, em geral, insustentáveis, e que em poucos anos se transformarão em terras abandonadas, como já aconteceu com milhões hectares por todo o Brasil.
Tal como redigida a "nova lei" não recuperará os passivos existentes, ao contrário, premiará a degradação e o degradador, induzindo os que até aqui praticaram essa destruição a seguirem promovendo a destruição a que estão acostumados.
Muito se tem dito e escrito sobre o compromisso visceral da atual presidente da República para com o seu país, todavia, até aqui ela não se havia confrontado, como agora, com um tema em que claramente terá de escolher entre o interesse público da população ou o atendimento aos interesses privados de uma pequena parcela da sociedade, econômica e politicamente muito poderosa (os grandes produtores rurais).
Vivemos um momento fundamental, de importância similar a outro momento crucial na história do Brasil, o da libertação dos escravos. Naquele momento, os interesses privados, retinham nas senzalas milhares de brasileiros, não só curvados pela força dos ferros, mas principalmente pela força das leis que os tornavam meras propriedades, posses legais registradas em cartório. Outra mulher, no entanto, contrariando os poderosos interesses privados de então, restituiu a liberdade a milhares de brasileiros e com seu gesto deu dignidade a um país que se acostumara por quase 400 anos à escravidão, tortura e morte "legal" de negros e índios. Mudou então para sempre o País, mudaram conceitos e práticas seculares, mudou a economia, mudaram os costumes, a cultura, a educação, a política, num movimento que se propaga até hoje.
Contra tantos direitos e poderes constituídos, num gesto solitário a princesa criou um novo Brasil! A hora da verdade chega agora para a presidente Dilma, e o veto integral do "Novo Código Florestal" é o gesto que se impõe para modernizar o País. Veto que sinalize claramente o abandono definitivo da convivência com práticas que embora tradicionais, são destruidoras do patrimônio coletivo do País.
O Código Florestal atualmente em vigor (de 1965), se regulamentado adequadamente e amparado por políticas federais ambientais claras, é suficiente para imediatamente desencadear a adequação ambiental de todas as propriedades rurais do País. Uma adequação que dê um tratamento diferenciado à regularização ambiental dos agricultores familiares e que cobre de todos os demais proprietários rurais, sobretudo dos grandes produtores, a progressiva, porém efetiva regularização dos seus passivos. Um processo que, aliás, a mais de uma década, já está em curso em muitas regiões do País. Fundamental lembrar que é chegada a hora da verdade, a hora de escolher entre o Brasil velho e um Brasil novo, entre um futuro que clamava e um passado de horrores que esforçava em se perpetuar, Isabel não curvou seus joelhos!
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem a opinião do jornal.