terça-feira, 16 de outubro de 2012

Biodiversidade é arma para garantir segurança alimentar


JC e-mail 4603, de 15 de Outubro de 2012.
Biodiversidade é arma para garantir segurança alimentar


Preservar a biodiversidade pode ser uma garantia à segurança alimentar global, hoje concentrada em um pequeno número de cultivos. "O que se come no mundo são poucos alimentos, basicamente trigo, arroz, mandioca, milho. Isso coloca a humanidade em grande risco", alerta o biólogo Bráulio Ferreira de Souza Dias.

É disso que trata o encontro internacional que ocorre até sexta-feira em Hyderabad, na Índia. O brasileiro Bráulio Dias, ex-secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, é desde janeiro o secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU. A CDB, como é conhecida, é o acordo internacional que busca garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade no mundo.

A exemplo de sua versão mais famosa, a Convenção sobre Mudança Climática, os países que assinaram a CDB também se reúnem regularmente para tentar estancar a vertiginosa perda de espécies no mundo. Delegados de 193 nações estão neste mês na Índia para, entre outras coisas, encontrar fontes de recursos que financiem a preservação. Em meio à crise financeira global, a pauta vive um impasse.

A conferência procura dar continuidade às decisões tomadas no encontro anterior, em 2010, no Japão. Ali se acertou o Protocolo de Nagoya e um conjunto de 20 metas para 2020 - as chamadas Metas de Aichi. Uma delas, por exemplo, mira a proteção de pelo menos 17% dos ecossistemas terrestres e de água doce, e 10% dos ecossistemas marinhos e costeiros do planeta. A estimativa é que isso custe US$ 600 bilhões se não existirem políticas que incentivem o uso sustentável dos recursos naturais.

O Protocolo de Nagoya dá as regras para o acesso e a repartição de benefícios da utilização de recursos genéticos da biodiversidade. É uma moldura legal básica que garante a quem preservou algum benefício sobre o uso econômico daqueles recursos naturais. Durante anos o debate opôs países ricos, donos das indústrias farmacêuticas e de cosméticos, a países em desenvolvimento donos de grandes florestas, como o Brasil.

Para entrar em vigor, Nagoya tem que ser ratificado por 50 nações - somente seis o fizeram até agora. No Brasil, a discussão sequer começou no Congresso, mas já há setores sensíveis ao debate. Um estudo recente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), um think tank do agronegócio, traçou um cenário hipotético onde o Brasil pode ter forte prejuízo se tiver que pagar um percentual pela produção de cana, soja e carnes aos países de origem desses produtos.

Dias diz que todos os setores econômicos perdem se a biodiversidade continuar a desaparecer no mundo e lembra que o Protocolo de Nagoya não especifica como será feito o pagamento, apenas reconhece que quem preserva merece ser remunerado. Os países decidirão caso a caso, a remuneração pode ocorrer como uma troca de sementes, de tecnologia, de capacitação e, portanto, qualquer estudo de perdas é uma especulação.

A seguir trechos da entrevista:

Valor: O campo pode perder com o Protocolo de Nagoya?
Bráulio Dias: Há um contrassenso aí: quem diz que não quer pagar pela conservação da semente original é o mesmo que está disposto a pagar pelos royalties dos transgênicos? A origem das propriedades genéticas para os novos cultivares é a natureza, as companhias não fabricam genes. Elas apenas identificam o que tem nas espécies e que faz com que resistam, por exemplo, a pragas ou à seca. Isso não é fabricado em laboratório. Em laboratórios corta-se algo de um lugar e coloca-se em outro. Não interessa à agricultura conservar a variedade original e mantê-la para uso futuro? Por que estão dispostos a pagar royalties de coisas que podem fazer melhorias de sementes e não pagar pela fonte original? Há uma inconsistência nesse tipo de posicionamento. CONTINUA!