Via Nosso Planeta
Por Nurit Bensusan
26.10.2012
Talvez tenha começado com os gritos em Paris, em maio de 1968, quando Daniel Cohn Bendit, um dos líderes estudantis do movimento, judeu e alemão, foi expulso da França: somos todos judeus alemães! Cohn Bendit afirmou numa entrevista a France Press, em 2008, que para ele essa era a imagem de 68 que persistia, "o espírito de solidariedade multirracial da época... estar em uma sociedade onde você tem a impressão de estar sozinho e, de repente, não está."
A mim me parece que esse slogan teve tanto impacto, também, porque não havia tanto tempo que a segunda guerra e o avassalador holocausto judeu tinham terminado. Ou seja, somos todos judeus, esses mesmos que estiveram completamente desamparados e abandonados por todos alguns poucos anos antes. Conhecer a atrocidade que levou ao fim de milhares de comunidades e assassinou seis milhões de indivíduos é fundamental para entender o que é o mundo hoje. É como se as fronteiras do aceitável tivessem se alargado para permitir que tais situações ocorressem e que a própria concepção de humanidade fosse revisitada para abarcar o inominável, o inaceitável, o inexplicável, mas ainda assim, real.
De lá para cá, inúmeras foram as situações onde tal alargamento da concepção de humanidade foi útil... se não, como conceber o massacre de Ruanda, por exemplo? E agora, diante de nós, na mídia, nas nossas redes sociais, se delineia mais uma dessas situações: a declaração de morte coletiva de um grupo Guarani Kaiowá. 170 indios, dos quais 70 crianças, que pedem à justiça brasileira que sua morte seja decretada e que tratores sejam enviados para enterrarem os corpos. Chegaram a esse extremo depois que o estado brasileiro falhou fragorosamente em garantir os direitos desse povo, assegurando a ele condições de viver. Hoje a média de suicídios entre os Guarani Kaiowá é de uma pessoa a cada seis dias. Os homicídios também são frequentes. Tudo fruto da completa falta de perspectiva de um povo que vive num pequeno fragmento do que era sua terra, cercado de pistoleiros e completamente desprotegido. Para uma ótima análise do caso, vale a pena ler a coluna de Eliane Brum.
Retomando as palavras de Cohn Bendit: "estar em uma sociedade onde você tem a impressão de estar sozinho e, de repente, não está." Mas, aqui parece que o final da frase não é esse e sim: ... e, de repente, está sim... sozinho, abandonado...
A campanha "somos todos Guarani Kaiowá" traz, talvez, a esperança que o final da frase volte para o original e que o povo Guarani Kaiowá consiga uma empatia e uma mobilização da acomodada sociedade brasileira para mudar seu destino. Se não, toca a alargar ainda mais a concepção de humano, para que abarque mais um genocídio inominável.
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