JC e-mail 4781, de 01 de Agosto de 2013.
A cidade tremeu, balançou
Mais de 20 anos após um dos piores episódios de terremotos ocorridos no Nordeste, a terra na região segue sacudindo. Mas o país ainda está despreparado para incidentes similares, apesar dos avanços no conhecimento da geologia e geofísica locais
O chão vai tremer no Nordeste e não será ao som da zabumba do maracatu. Na verdade, contrariando o senso comum de que não existem terremotos no país, a região tem sofrido com tremores ao longo da história e é uma área importante de risco sísmico no continente. Apesar de nunca terem provocado grandes calamidades, os abalos já geraram pânico e o abandono de cidades, com importantes impactos sociais. Por isso, o tema entrou na pauta de discussão da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu em Recife, Pernambuco, estado em que a presença de falhas geológicas traz grandes riscos de terremotos.
O Brasil encontra-se longe das bordas da placa continental a que pertence - a Sulamericana -, área em que tremores são mais fortes e frequentes. Porém, está sujeito aos chamados sismos intraplacas, quando ocorre um movimento em áreas de falhas geológicas, antigas ou novas. Um dos episódios mais famosos relacionados a esse tipo de tremor ocorreu em New Madri, Estados Unidos: uma série de três terremotos entre 1811 e 1812 que chegou a desviar o curso do rio Mississipi.
"Os sismos que ocorrem na borda das placas são mais frequentes e têm, em geral, maior magnitude, mas ambos podem ser catastróficos", explicou o geofísico Joaquim Mendes Ferreira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. "Para terremotos de mesma magnitude, por exemplo, um intraplacas terá efeito muito maior, por causa da rigidez do terreno, que absorve menos as ondas sísmicas."
No Nordeste, os maiores tremores registrados atingiram magnitude 5 na escala Richter (cujo valor máximo já registrado foi 9,5). Curiosamente, não foram os mais fortes do Brasil - outros dois, de magnitude 6, foram registrados em 1955 no Mato Grosso e no mar, próximo ao Espírito Santo. No entanto, têm ocorrido na região, ao longo das últimas décadas, muitos sismos de magnitudes 3, 4 e 5. As áreas mais atingidas são o noroeste do Ceará, o chamado lineamento Pernambuco (conjunto de falhas que cruza horizontalmente o estado), o Recôncavo Baiano e a borda da bacia Potiguar - que aparece até em mapas globais de perigo sísmico.
Embora esses tremores não tenham provocado grande número de mortes - apenas uma, em Pereiro, no Ceará, em 1968 -, muitos deixaram um rastro de feridos e de casas destruídas na região e alguns, como o de Caruaru (PE), em 1967, e o de João Câmara (RN), em 1986, provocaram grande pânico na população e o abandono em massa das cidades. "O interessante é que essa fuga não se relaciona só com a intensidade de um tremor, mas com a ocorrência de sismos por períodos mais prolongados", destacou Ferreira. "Por exemplo, o mais forte tremor ocorrido na região, com magnitude de 5.2, atingiu Pacajus e Cascavel, no Ceará, mas, nesse caso, ninguém fugiu; foi um evento isolado e logo começaram a reconstruir as cidades."
Em comparação, entre 1986 e 1991, a cidade de João Câmara foi abalada por mais de 15 tremores com magnitude acima de 4, sendo dois acima de 5. Resultado: destruição, caos social e fuga da população. "Ninguém estava preparado para isso e o pânico acabou sendo aproveitado para fins inescrupulosos, da politicagem à compra de terras das pessoas assustadas a preço de banana", recordou. "A situação foi tão grave que o presidente da República visitou a região para ver de perto o que ocorria."
Uma terra que treme
Mas por que o Nordeste é sujeito a tantos terremotos? Uma explicação é a quantidade de falhas geológicas presentes na região: das 30 conhecidas no Brasil, 24 estão lá. Apesar de muitas delas estarem inativas, fenômenos sísmicos sempre estão associados a esse tipo de estrutura - existentes ou novas.
Por isso mesmo, as primeiras teorias sobre os terremotos do Nordeste, segundo Ferreira, associavam os sismos à reativação de falhas geológicas antigas, o que não se comprova na prática de forma geral. Também foi cogitado que seriam resultado de colapso de cavernas de calcário, o que também não explica a sismicidade da área. "O fato de termos apenas 500 anos de história, em comparação com os milhares de anos de registros escritos de outras partes do mundo, diminui em muito nosso conhecimento sobre a sismicidade do Brasil", ressaltou.
Hoje, a comunidade científica aposta em uma explicação mais geral para o fenômeno: a existência de 'zonas de fraqueza' na região, teoria que requer abordagens específicas para cada episódio. Assim, em muitos casos, os terremotos nordestinos podem ser associados de forma clara às configurações geológicas locais, como a própria presença de falhas e a composição das rochas. No entanto, muitos casos permanecem ainda sem qualquer correlação descoberta, mesmo com a utilização de sofisticadas técnicas de mapeamento.
Para tentar entender ainda melhor o problema, geólogos e sismólogos permanecem constantemente atentos aos movimentos da terra na região. Além de análises geológicas e geofísicas, estudos de dados macrossísmicos e instalação de estações permanentes de monitoramento, eles fazem registros de atividades não isoladas - quando são registrados abalos continuados em determinada área, unidades móveis são instaladas em campo para uma aprofundada análise local do sismo.
Pronto para outra?
Desde o incidente de 1986 em João Câmara, também tem havido esforços para que a história de pânico e caos social não se repita. Além do constante monitoramento, os cientistas buscam fazer um trabalho preventivo com a população, divulgando todas as informações sobre terremotos locais na internet e realizando constantes palestras em localidades atingidas pelos tremores.
No entanto, Ferreira considera que muito ainda precisa ser feito para preparar a região para outro evento similar ao de João Câmara. Para o sismólogo, o país precisa investir ainda mais na informação e no esclarecimento da população. "Fazemos esse esforço de comunicação, mas é insuficiente; é imprescindível que os brasileiros aprendam desde a escola que o Nordeste é uma zona sujeita a terremotos, isso deveria estar nos livros de geografia usados no ensino básico", defendeu.
Além disso, Ferreira destacou a necessidade de investir na infraestrutura da região e de rever a própria organização administrativa destinada a lidar com situações de emergência. "Precisamos de códigos de obras adequados; se não há atividade sísmica suficiente que justifique ter todas as estruturas adaptadas, ao menos prédios públicos, em especial próximos a falhas conhecidas, deveriam ser planejados com isso em mente", ponderou. "Além disso, após a Constituição de 1988, a responsabilidade de lidar com os tremores foi repassada para as prefeituras e elas não têm condições de fazer isso; não há estrutura e cria-se grande espaço para desvios de verbas e corrupção", criticou.
(Marcelo Garcia/Ciência Hoje On-line)