quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Empresa aponta possível fraude em periódicos científicos brasileiros


JC e-mail 4800, de 28 de Agosto de 2013.
Empresa aponta possível fraude em periódicos científicos brasileiros


Publicações foram punidas por fazerem citações cruzadas

A produção científica brasileira explodiu nos últimos anos, trazendo a reboque um grande aumento no número de periódicos científicos editados no país. Mas a luta para aumentar a relevância destas publicações no cenário internacional acaba de sofrer um duro golpe com a suspensão por um ano da divulgação do fator de impacto de quatro delas pela Thomson Reuters, uma das principais empresas que fazem este tipo de avaliação no mundo, por suspeita de fraude. A decisão, tomada em junho, foi acompanhada por determinação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de excluí-las da base de dados do "Qualis Periódicos", um dos quesitos usados pela instituição para avaliar e dar notas aos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) no país.
 
O fator de impacto é uma medida de qualidade dos periódicos científicos que tem como base a premissa de que uma revista é "melhor" se os artigos por ela publicados são mais citados em outros estudos. Isso, no entanto, abre caminho para dois principais tipos de manipulação: a autocitação, isto é, quando os periódicos estimulam e priorizam a publicação de artigos que citam estudos por ela previamente publicados; e o chamado "empilhamento de citações", no qual os editores de diferentes periódicos acertam a publicação de artigos que citem os estudos publicados nos dos outros, promovendo citações cruzadas. Foi este segundo esquema que as quatro revistas brasileiras - "Clinics", "Revista da Associação Médica Brasileira", "Jornal Brasileiro de Pneumologia" e "Acta Ortopédica Brasileira" - teriam sido flagradas praticando por novo algoritmo antifraude inserido pela Thomson Reuters e seu sistema de indexação.
 
Editor-chefe da "Revista da Associação Médica Brasileira", o cardiologista Bruno Caramelli nega a existência do esquema e critica a decisão da Capes, segundo ele muito mais severa que a punição imposta pela Thomson Reuters. De acordo com Caramelli, o que houve foi um esforço conjunto dos editores dos periódicos para melhorar e aprimorar suas publicações, o que incluiu diversas estratégias, como a confecção de versões em inglês das revistas, um crivo de qualidade mais restrito e um processo de aceitação e rejeição mais rápido dos estudos. Entre estas estratégias, porém, também estava a publicação dos chamados "artigos de revisão", que reúnem e avaliam os mais relevantes estudos feitos em determinadas áreas nos últimos anos e publicados em revistas brasileiras. E foram estas revisões que teriam disparado o alarme da Thomson Reuters.
 
- Foi essa estratégia que a Thomson Reuters viu como suspeita e não vamos mais fazer isso - garante Caramelli, que, no entanto, vê a decisão da empresa como uma forma de discriminação: - Todas as revistas internacionais usam o mesmo recurso de artigos de revisão, mas só nós fomos punidos.
 
Ainda segundo Caramelli, as principais vítimas tanto da decisão da Thomson Reuters quanto da Capes serão os próprios pesquisadores brasileiros. Para ele, isso vai alimentar o ciclo vicioso que mantém baixo o fator de impacto dos periódicos nacionais.
 
- Minha grande preocupação é o prejuízo que isso pode trazer para os programas de pós-graduação e aos autores dos artigos, já que eles não farão parte da pontuação calculada pela Capes - diz. - Além disso, se não tivermos estratégias para melhorar nossas revistas, não vamos elevar seus fatores de impacto e elas continuarão não sendo procuradas pelos melhores autores, em um ciclo vicioso.
 
(Cesar Baima / O Globo)