sábado, 9 de fevereiro de 2013

Escândalo alemão expõe dificuldade do mundo acadêmico em lidar com plágio


JC e-mail 4663, de 08 de Fevereiro de 2013.
Escândalo alemão expõe dificuldade do mundo acadêmico em lidar com plágio


Casos como o que custou o título de doutorado da ministra da Educação da Alemanha são cada vez mais frequentes. E identificar e punir fraudadores, embora haja cada vez mais ferramentas, continua tarefa espinhosa

O recente escândalo em torno da ministra alemã Annette Schavan, forçada a entregar o título de doutorado sob acusação de plágio, voltou a colocar em discussão uma prática cada vez mais em evidência no mundo acadêmico, mas ainda cercada de dificuldades para ser definida, detectada e punida.

Anette Schavan chefia justamente o Ministério de Educação e Pesquisa. Em sua tese de doutorado, ela não teria identificado as citações que fez, como mandam as normas científicas. A falha foi percebida por um blogueiro alemão, que passou então meses publicando os trechos que constatava serem copiados.

"Com a internet, agora está bem mais fácil de plagiar, embora, ao mesmo tempo, esteja também bem mais fácil de ser descoberto. Não sei se hoje estamos vendo mais desse comportamento ou se, simplesmente, estamos percebendo mais algo que sempre foi feito", diz o americano Adam Marcus, que mantém um blog sobre casos de fraudes acadêmicas.

Marcus criou o blog Retraction Watch em 2010. Desde então, recebeu mais de 5 milhões de visitas e relatou cerca de 700 casos de fraude, a maioria relacionada a plágio. Segundo um estudo de pesquisadores da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, a proporção de artigos despublicados por algum tipo de fraude nos EUA cresceu dez vezes desde 1975.

Softwares para facilitar detecção
Na Alemanha, o caso de Anette Schavan não foi o primeiro - e provavelmente não será o último. Em maio de 2011, o então ministro da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, teve que renunciar após se descobrir que extensas passagens de sua dissertação de doutorado foram diretamente copiadas de outras fontes.

Nos Estados Unidos de Adam Marcus, a polêmica mais recente relacionada a plágio foi no mundo jornalístico e envolvendo o célebre apresentador da CNN Fareed Zakaria. Ele admitiu ter copiado em sua coluna na revista Time trechos quase na íntegra de um texto publicado meses antes na New Yorker.

O caso lhe rendeu uma suspensão da revista e da emissora, mas não foi tão grave como o de plagiadores famosos como Stephen Glass, banido da profissão após inventar citações e até fatos na revista New Republic na década de 1990, e de Jonah Lehrer, tido como gênio do jornalismo científico, mas que pediu demissão da New Yorkerem 2012 por alterar e às vezes criar citações.

"Hoje há uma série de softwares que podem determinar a porcentagem de texto plagiado. E pode-se usar, é claro, ferramentas mais simples, como o próprio Google. Eu diria que não há desculpa para os publicadores não usarem esses detectores", opina Marcus. "Isso deveria ser um dos padrões para a publicação de qualquer manuscrito."

Cumplicidade de professores
Para o professor Marcelo Hermes-Lima, do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, muitas vezes o trabalho fraudado conta com a cumplicidade dos próprios professores orientadores.

"Sei de muitos colegas que reescrevem as teses dos alunos para não perderem o credenciamento [junto a órgãos de pesquisa]. Há muito interesse envolvido", afirma Hermes-Lima, que há anos acompanha casos de trabalhos e artigos denunciados e trata do tema em seu blog, Ciência Brasil.

Ele vê um crescimento no número de trabalhos fraudados no Brasil e aponta como um dos motivos a grande pressão sofrida pelos estudantes, especialmente os de pós-graduação, em publicar artigos em revistas científicas. A publicação é essencial, por exemplo, para defender uma tese de douturado.

Hermes-Lima afirma que a falta de punição aos pesquisadores fraudadores e o sentimento do corporativismo no meio científico no Brasil também contribuem bastante para um maior número de casos. Vários cientistas cujos artigos foram comprovadamente plagiados ou tiveram dados adulterados mantiveram-se em cargos de chefia em institutos de pesquisa, inclusive universidade federais de peso.

Nos EUA, segundo estima o professor da UnB, é grande o número de trabalhos "despublicados" por erros ou plágio. Ele ressalta, no entanto, que proporcionalmente o volume é menor que no Brasil: "Por lá, a carreira de quem frauda acaba".

(Mariana Santos e Rafael Plaisant Roldão, DW Notícias)