quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ex-colegas publicam críticas a Nicolelis


JC e-mail 4672, de 26 de Fevereiro de 2013.
Ex-colegas publicam críticas a Nicolelis


Sete ex-membros do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) coordenado pelo neurocientista Miguel Nicolelis divulgaram uma carta no fim de semana na qual acusam o pesquisador de omitir informações sobre suas pesquisas na Universidade Duke, nos Estados Unidos, e de agir "exclusivamente em proveito próprio" na condução do instituto brasileiro

Segundo os autores, Nicolelis teria mantido segredo sobre um projeto de pesquisa na Duke e publicado os resultados de forma isolada, mesmo sabendo que um de seus supostos parceiros no INCT estava desenvolvendo um projeto muito semelhante na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A carta, intitulada Eu apoio a ciência brasileira, foi enviada por e-mail a dezenas de lideranças científicas do País e reproduzida no blog da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) e no Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Na segunda-feira (25), o diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), Rômulo Fuentes, publicou duas respostas no blog da SBNeC: uma em inglês, em nome de Eric Thomson, aluno de pós-doutorado de Nicolelis na Duke, e outra em nome próprio, na qual refuta o conteúdo da carta e contra-ataca com uma série de acusações aos seus autores. Nicolelis não comentou a carta publicamente, mas declarou apoio às respostas postadas por Fuentes e Thomson. O debate se propagou pelas redes sociais, abrindo mais um capítulo na conturbada relação de Nicolelis com vários setores da comunidade científica brasileira. [a carta pode ser lida aqui]

A carta é assinada por sete ex-membros do Comitê Gestor do INCT Interface Cérebro-Máquina (Incemaq), criado em 2009, sob a coordenação de Nicolelis. A sede do projeto é o IINN-ELS, em Natal, gerido por uma organização social de interesse público, presidida por Nicolelis. O "estopim" para a carta foi a publicação de um trabalho na revista Nature Communications, no dia 12, em que Nicolelis apresenta os resultados de um experimento que ele diz ter criado um "sexto sentido" em ratos, dando a eles a capacidade de "sentir" sinais de luz infravermelha, captados por um receptor conectado ao cérebro. O trabalho é coassinado por Thomson e um aluno de graduação da USP, que fez intercâmbio na Duke.

O documento chama atenção para o fato de que um de seus autores, Márcio Moraes, do Núcleo de Neurociências da UFMG, tem um projeto muito parecido com o de Nicolelis. Esse projeto foi apresentado na primeira reunião do Comitê Gestor do Incemaq, em julho de 2010, com a presença de Nicolelis - que não teria feito nenhuma menção ao seu próprio projeto na Duke. "Se o trabalho já estava sendo feito na Duke (...), por que manter segredo durante a reunião? Se, por outro lado, o trabalho ainda não havia sido iniciado, mas Miguel Nicolelis considerou a ideia interessante, por que não firmou colaboração com o grupo da UFMG?", questiona a carta. "Foi uma postura inaceitável da parte do coordenador de um INCT, cujo objetivo principal é justamente promover parcerias estratégicas entre cientistas e instituições para acelerar a produção de pesquisas inovadoras no Brasil", disse Moraes na segunda-feira (25), ao jornal O Estado de S. Paulo, por telefone.

Segundo ele, sua pesquisa com receptores de infravermelho acoplados ao cérebro de ratos é desenvolvida na UFMG desde 2009. Parte dos resultados, que compõem a tese de doutorado de um aluno, não poderá mais ser publicada por conta da publicação do trabalho de Nicolelis - que apresenta basicamente a mesma ideia.

"Ao privar a ciência brasileira de uma parceria justa e prometida, o Incemaq, na figura do seu coordenador, prof. Miguel Nicolelis, não agiu pelo interesse coletivo, como seria de se esperar de um coordenador de INCT, mas exclusivamente em proveito próprio", conclui a carta.

Os sete autores foram desligados do Incemaq em julho de 2012. Procurados na segunda (25), nem Nicolelis nem o CNPq (órgão federal que financia o Incemaq) informaram quem são os integrantes atuais do instituto.

Nicolelis diz que acusação é 'leviana e irresponsável'

O neurocientista Miguel Nicolelis classificou a "insinuação" de que a apresentação do pesquisador Márcio Moraes, da UFMG, no Comitê Gestor do Incemaq possa ter influenciado suas pesquisas como "primária, leviana e irresponsável". "Nada do que o professor Marcio Moraes possa ter dito ou feito teve qualquer influência no nosso trabalho", afirmou Nicolelis, em entrevista por e-mail ao jornal O Estado de S. Paulo.

"Não tenho nenhuma lembrança, dois anos depois, da apresentação do prof. Márcio Moraes", relata Nicolelis. "Não duvido de que ele possa ter apresentado algum trabalho envolvendo uso de transdutor infravermelho. Todavia, nosso trabalho, como demonstram os documentos remetidos ao senhor, dedicava-se a pesquisas usando luz infravermelha como fonte de controle de uma neuroprótese cortical desde 2006."

Nicolelis e o diretor científico do IINN-ELS, Rômulo Fuentes, divulgaram cópias de e-mails trocados entre pesquisadores da Duke desde 2006, em que a ideia de acoplar sensores de infravermelho a cérebros de ratos já era discutida. O primeiro experimento de fato teria sido realizado em janeiro de 2010.

A carta assinada pelos sete ex-membros do Comitê Gestor do Incemaq também questiona o crédito dado ao IINN-ELS no trabalho que foi publicado na Nature Communications. Segundo eles, a pesquisa foi toda produzida na Duke. "Utilizar a produção de um laboratório no exterior como justificativa para prestação de contas de um financiamento nacional tem grande potencial de comprometer o trabalho sério e sólido das agências de fomento brasileiras nas últimas décadas", afirma a carta. "A produção deve ser resultante do investimento em infraestrutura para geração de conhecimento, formação de recursos humanos e nucleação de grupos de pesquisa em território nacional."

Nicolelis disse que a contribuição do IINN-ELS será explicada num próximo trabalho. Ele e Fuentes atribuem as críticas a um suposto complô liderado pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, que estaria "totalmente obcecado com a ideia de assassinar a reputação do prof. Nicolelis".

Sidarta, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e um dos fundadores do IINN-ELS, rompeu com Nicolelis em agosto de 2011, sacramentando um "racha" que esvaziou quase que completamente o quadro de pesquisadores e alunos do instituto.

(Herton Escobar/ O Estado de São de Paulo)






Veja também:
Resposta à publicação do JC e-mail, de 25 de Fevereiro de 2013, intitulada "Grupo de cientistas questiona a atuação do coordenador do INCT Interfaces Cérebro-Máquina (INCeMaq)