quarta-feira, 7 de agosto de 2013

PL que regulamenta profissão de historiador gera polêmica na comunidade científica


JC e-mail 4784, de 06 de Agosto de 2013.
PL que regulamenta profissão de historiador gera polêmica na comunidade científica


De acordo com reportagem do blog da Revista HCS, historiadores estão divididos: Ângela Maria de Castro Gomes é favorável ao projeto; José Murilo de Carvalho, totalmente contrário

Projeto de Lei 4699/12, que tramita na Câmara dos Deputados e regulamenta a profissão de historiador, tem levantado discussões acaloradas na comunidade científica brasileira quanto à sua aprovação na íntegra. De acordo com o Projeto, a regulamentação da profissão exigirá dos profissionais que tenham pelo menos o diploma de curso superior em História de universidade brasileira ou estrangeira revalidado no Brasil. Também poderá trabalhar na área quem tiver mestrado ou doutorado em História, mesmo sem ter este curso de graduação. O profissional também terá que se registrar na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde irá atuar.

O autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), argumenta que "num mundo onde a qualidade e a excelência de bens e serviços se sofisticam cada vez mais, o trabalho dos historiadores não comporta mais amadores ou aventureiros".

Para a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), o entendimento é de que a proposta não prevê com clareza casos específicos como os dos historiadores das ciências, assim como dos historiadores da educação, da arte, entre outros, que possuem nos seus quadros profissionais com larga experiência, mas sem diplomas específicos. Para a SBHC, com a nova lei, muitos deles poderão vir a ser excluídos ou prejudicados. Em carta aberta divulgada no início de julho, a entidade alega não ser contrária à regulamentação da profissão, mas que o texto do Projeto, na forma em que está, não prevê com clareza a prática da atividade. Ora ele é definido como "restritivo", ora como "vago".

"Na forma como se apresenta, o projeto de lei não representa o desejado avanço em uma discussão antiga, nem contribui de forma equânime para fortalecer o exercício da profissão histórica em suas múltiplas - e legítimas - apresentações", descreve a carta.

A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) também divulgou manifesto em oposição ao Projeto de Lei. A entidade considera a proposta arbitrária: ao fixar a titulação em História como condição sine qua non para o exercício do ofício de historiador (inclusive da educação), a proposta negaria aos educadores por titulação a possibilidade da narrativa da sua própria história, a partir de temas e questões que afetam a área e também as suas vidas.

"Em nome de uma aparente "reserva de mercado"- o projeto em trâmite acaba por atropelar uma longa tradição de investimentos acadêmico-científicos em torno da constituição do campo da história da educação, bem como de outros campos igualmente relevantes na cena acadêmica brasileira", diz o texto.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em apoio às diversas sociedades científicas e associações profissionais, enviou carta ao Congresso Nacional, manifestando-se contra a proposta. As entidades citadas solicitam que a tramitação seja imediatamente interrompida, para que debates amplos e audiências públicas possam ser realizados com toda a sociedade brasileira.

A Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh), por sua vez, alega que o Projeto de Lei que agora tramita na Câmara dos Deputados já foi amplamente discutido entre os historiadores, inclusive junto aos historiadores da educação, da ciência, da arte, entre outras áreas específicas, muitos deles sócios da Anpuh-Brasil. De acordo com carta encaminhada à SBPC, o "Projeto de Lei apenas quer regulamentar a atividade de Historiador nos âmbitos do ensino formal e da pesquisa histórica científica. Não veda a ninguém escrever ou ensinar História, apenas não confere o título de Historiador aos que não têm essa formação específica".

Após a manifestação da Anpuh, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências reiteraram a posição de diversas sociedades científicas e associações profissionais que se posicionaram contra a aprovação do projeto, na forma em que está, para que haja um processo de discussão com todos os setores envolvidos antes de sua aprovação.

Historiadores divididos
A professora de História da UFF Ângela Maria de Castro Gomes é extremamente favorável à aprovação do Projeto de Lei, visto que todas as demais profissões já são regulamentadas. Sob seu ponto de vista, a regulamentação não vai afetar aqueles profissionais que já atuam como historiadores, mas sim aqueles que pretendem exercer a profissão daqui para frente.

"É uma questão de formalização da profissão e, daqui para frente, cada vez mais, vai existir uma demanda de conhecimento especializado que precisa ser suprida com profissionais devidamente formados", afirma Ângela.

Por outro lado, José Murilo de Carvalho considera o projeto "um primor de corporativismo e obscurantismo". "O projeto confere a quem tiver diploma o monopólio do exercício de qualquer atividade no campo da história. Só faltou incluir no monopólio a publicação de livros. Segundo ele, não são historiadores qualificados pesquisadores reconhecidos pela excelência de suas obras, como Boris Fausto, Alberto da Costa e Silva, Evaldo Cabral de Mello e outros. Entre os já falecidos, também ficariam de fora José Honório Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Raymundo Faoro, para só citar alguns", critica.

Carvalho acrescenta que também são vítimas do exclusivismo corporativista as dezenas de profissionais competentes que se dedicam à escrita da história de suas áreas de conhecimento, como Medicina, Saúde, Física etc.

"História não é ciência exata, pertence ao campo das Humanidades, no qual se exige dos praticantes, além do conhecimento de métodos e técnicas de pesquisa, imaginação e criatividade, dons que nenhum diploma confere", ressalta.

Para ele, o máximo que se poderia aceitar é a preferência para diplomados em História na contratação de docentes do ensino fundamental e médio.

 (Flávia Machado/ Blog da revista "História, Ciências, Saúde - Manguinhos)