quarta-feira, 4 de abril de 2012

O figurino que vestia o Brasil do café com leite

Via Revista Pesquisa FAPESP
GUSTAVO FIORATTI | Edição 193 - Março de 2012


Trajes antigos desvelam o que a Primeira República escondia por debaixo das roupas


A Illustração Brasileira ensina a se vestir
para o teatro, em 1909
© REPRODUÇÃO DO LIVRO O BRASIL DE MARC FERREZ
Em algum lugar entre os séculos XIX e XX: crianças mortas, antes de serem enterradas, muitas vezes eram vestidas como pequenos soldados romanos, para que, seguindo crenças religiosas da época, chegassem ao céu prontas para exercer o papel de anjos protetores. Quando uma família ia à praia, as mulheres usavam saias longas e sombrinhas; os homens, calças, camisa e chapéu. E ao percorrer as ruas de uma São Paulo que crescia a todo vapor, vendedores de artigos para o lar adaptavam a moda de Paris para um dia a dia sob o sol. Esses são apenas três recortes de uma vasta memória que o Brasil ainda não tirou por completo do armário.

O que se vestiu no passado pode revelar um novo olhar sobre a identidade de um povo, com pistas espalhadas por álbuns fotográficos de famílias, pinturas de museus, cadernos de desenhos, textos literários e revistas antigas. As principais fontes do professor Fausto Roberto Poço Viana, do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), residem nesse tipo de registro. Desde 2007, ele empreende uma minuciosa busca de imagens e textos que possam estabelecer uma ponte entre indumentária e costumes.

O período escolhido para a pesquisa fica entre 1889 e 1930, anos que marcam na história do Brasil o início e o fim da República Velha. As tramas do café com leite é o título do trabalho, em referência às ramificações da já conhecida alternância de mineiros e paulistas na Presidência. Há a intenção de estender o projeto de pesquisa para épocas anteriores a essa.

A transição de uma vida essencialmente agrária para uma outra, que dava seus primeiros passos em direção à febre da urbanização, determina alguns dos traços desse retrato. Mas o apreço pela moda que vinha da França, e no caso dos homens também pelo estilo inglês, mais do que tudo, propagou por aqui um jeito de se vestir parecido com o de europeus, sobretudo das elites.

Essa importação de costumes não significa, para Viana, que o Brasil não tenha criado uma identidade própria. “Não acho que o fato de trazer uma roupa da França implique necessariamente a perda de uma identidade nacional. Pelo contrário. Se há quem fale que perdemos as cores locais por causa disso, eu digo, espere um pouco: perdemos há quinhentos anos então.”

Viana conta que boa parte do vestuário e de modelos de reprodução foi trazida por costureiras e alfaiates estrangeiros, ou ainda por uma elite cheia de dinheiro que fazia compras em Paris. “Até hoje eu peno para entender como é que essa gente aguentava usar essas roupas aqui nos trópicos”, ele diz, em referência a um estilo traçado basicamente para invernos mais rigorosos. Continua